sábado, 30 de maio de 2009

A Revolta da Chibata

A Revolta da Chibata
Foi um movimento de militares da Marinha do Brasil, planejado por cerca de dois anos e que culminou com um motim que se desenrolou de 22 a 27 de novembro de 1910 na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, à época a capital do país, sob a liderança do marinheiro João Cândido Felisberto.
Na ocasião, mais de dois mil marinheiros rebelaram-se contra a aplicação de castigos físicos a eles impostos como punição, ameaçando bombardear a cidade. Durante os seis dias do motim seis oficiais foram mortos, entre eles o comandante do Encouraçado Minas Gerais, João Batista.
Antecedentes
Os castigos físicos, abolidos na Marinha do Brasil um dia após a Proclamação da República, foram restabelecidos no ano seguinte (1890), estando previstas:
"Para as faltas leves, prisão a ferro na solitária, por um a cinco dias, a pão e água; faltas leves repetidas, idem, por seis dias, no mínimo; faltas graves, vinte e cinco chibatadas, no mínimo."
Os marinheiros nacionais, quase todos negros ou mulatos comandados por uma oficialidade branca, em contato cotidiano com as marinhas de países mais desenvolvidos à época, não podiam deixar de notar que as mesmas não mais adotavam esse tipo de punição em suas belonaves, considerada como degradante. O uso de castigos físicos era semelhante aos maus-tratos da escravidão, abolida no país desde 1888. Paralelamente, a reforma e a renovação dos equipamentos e técnicas da Marinha do Brasil eram incompatíveis com um código disciplinar que remontava aos séculos XVIII e XIX. Essa diferença foi particularmente vivida com a estada dos marujos na Inglaterra, em 1909, de onde voltaram influenciados não só pelas lutas dos colegas britânicos mas também pela revolta dos marinheiros da Armada Imperial Russa, no Encouraçado Potemkin, ocorrida poucos anos antes, em 1905.
Ainda na Inglaterra, o marinheiro João Cândido Felisberto formou clandestinamente um Comitê Geral para organizar a revolta, que se ramificaria depois em vários comitês revolucionários para cada navio a entrar em motim, e que se reuniam no Rio de Janeiro entre 1909 e 1910. Em 1910 juntou-se a este comitê o marinheiro Francisco Dias Martins, vulgo "Mão Negra", que tinha facilidade para escrever, e tinha ficado famoso por uma carta, sob este pseudônimo, aos oficiais contra a chibata em recente viagem ao Chile.

A revolta
Marcada para dez dias depois da posse do Presidente Hermes da Fonseca, o que precipitou o ápice da revolta acabou sendo a punição aplicada ao marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes do Encouraçado Minas Gerais. Por ter trazido cachaça para bordo e, em seguida, ter ferido com uma navalha o cabo que o denunciou, foi punido, não com as vinte e cinco chibatadas máximas regulamentares, e sim com duzentos e cinqüenta, na presença da tropa formada, ao som de tambores no dia seguinte à posse do presidente, dia 16 de Novembro. O exagero dessa punição, considerada desumana, provocou uma indignação da tripulação muito superior à que já vinham sentindo durante a conspiração da revolta.
Uma semana depois, já na baía de Guanabara, na noite de 22 de novembro, os marinheiros do Minas Gerais amotinaram-se. Quando o comandante Batista das Neves retornava de um jantar oferecido a bordo do navio francês Duguay-Trouin, foi cercado pelos amotinados e, depois de uma curta luta, mataram-no a tiros e a coronhadas. Na seqüência, outros cinco oficiais foram assassinados, conforme acordavam e saíam dos seus camarotes para verificar o que se passava. Enquanto isso, o 2º tenente Álvaro Alberto, o primeiro oficial gravemente ferido, com golpe de baioneta, conseguiu alcançar o Encouraçado São Paulo num escaler e notificou os demais oficiais da armada, que escaparam para terra.
Sem os seus oficiais a bordo, os encouraçados São Paulo (o segundo maior navio da Armada à época) e Deodoro, o cruzador Bahia, e mais quatro embarcações menores ancoradas na baía, aderiram ao motim no decorrer da noite.
Na manhã seguinte (23 de novembro), sob a liderança do marinheiro de primeira classe João Cândido Felisberto e com redação de Francisco Dias Martins, foi então emitido um ultimato no qual ameaçavam abrir fogo sobre a então Capital Federal:
O governo tem que acabar com os castigos corporais, melhorar nossa comida e dar anistia a todos os revoltosos. Senão, a gente bombardeia a cidade, dentro de 12 horas. (carta de João Cândido, líder da revolta)
E complementava:
"Não queremos a volta da chibata. Isso pedimos ao presidente da República e ao ministro da Marinha. Queremos a resposta já e já. Caso não a tenhamos, bombardearemos as cidades e os navios que não se revoltarem."
Surpreendido e sem capacidade de resposta, o governo, o Congresso e a Marinha divergiam quanto à resposta, pois a subversão da hierarquia militar é um dos principais crimes nas Forças Armadas. A população da então Capital, num misto de medo e curiosidade, permaneceu em estado de alerta, parte dela refugiando-se longe da costa enquanto outros se dirigiram à orla para assistir o bombardeamento ameaçado pelos marinheiros.
A Marinha esboçou um ataque aos revoltosos com dois navios menores, mas além de rechaçá-lo, estes bombardearam as instalações na ilha das Cobras. Outros disparos foram efetuados sobre o Palácio do Catete, sede do Poder Executivo. Ainda nessa manhã, o deputado e capitão-de-mar-e-guerra José Carlos de Carvalho esteve a bordo dos encouraçados Minas Gerais e do São Paulo, dando início às negociações com os amotinados.
Os navios que não aderiram à revolta, na maioria contratorpedeiros, entraram em prontidão para torpedear os amotinados. No dia 25 de Novembro, o então Ministro da Marinha, almirante Joaquim Marques Batista Leão expediu a ordem: "hostilize com a máxima energia, metendo-os a pique sem medir sacrifícios." No mesmo dia, entretanto, o Congresso Nacional votava a anistia para os revoltosos.
Quatro dias mais tarde, a 26, o governo do presidente marechal Hermes da Fonseca declarou aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que se entregassem. Estes, então, depuseram armas e entregaram as embarcações. Entretanto, dois dias mais tarde, a 28, alguns marinheiros foram expulsos da Marinha, sob a acusação de "incoveniente à disciplina".
A 4 de dezembro, quatro marujos foram presos, sob a acusação de conspiração. Em meio a uma forte onda de boatos, isolados e desorganizados, os fuzileiros navais sublevaram-se na ilha das Cobras (dia 9 do mesmo mês), sendo bombardeados durante todo o dia, mesmo após hastearem a bandeira branca. De seiscentos revoltosos, sobreviveram pouco mais de uma centena, detidos nos calabouços da antiga Fortaleza de São José da Ilha das Cobras. Entre esses detidos, dezoito foram recolhidos à cela n° 5, escavada na rocha viva. Ali foi atirada cal virgem, na véspera do Natal. Após vinte e quatro horas, apenas João Cândido e o soldado naval Pau de Lira sobreviveram. Cento e cinco marinheiros foram desterrados para trabalhos forçados nos seringais da Amazônia, tendo sete destes sido fuzilados nesse trânsito.
Apesar de se declarar contra a manifestação, João Cândido também foi expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os rebeldes. O Almirante Negro, como foi chamado pela imprensa, um dos sobreviventes à detenção na ilha das Cobras, foi internado no Hospital dos Alienados em Abril de 1911, como louco e indigente. Ele e dez companheiros só seriam julgados e absolvidos das acusações dois anos mais tarde, em 1 de dezembro de 1912.
Em 24 de julho de 2008, através da publicação da Lei Federal nº 11.756/2008 no Diário Oficial da União, foi concedida anistia post mortem a João Cândido Felisberto, e aos demais participantes do movimento.

Conclusão
Embora seja indiscutível a validade dos argumentos dos marinheiros em 1910, a revolta não apresentava nenhum projeto de transformação social mais amplo. O seu objetivo era apenas e tão somente a extinção dos castigos corporais e a melhoria das condições de vida e trabalho da categoria a bordo das embarcações da Armada.
O líder da revolta João Cândido foi expulso da Marinha e internado como louco no Hospital de Alienados. No ano de 1912, foi absolvido das acusações junto com outros marinheiros que participaram da revolta.
Podemos considerar a Revolta da Chibata como mais uma manifestação de insatisfação ocorrida no início da República. Embora pretendessem implantar um sistema político-econômico moderno no país, os republicanos trataram os problemas sociais como “casos de polícia”. Não havia negociação ou busca de soluções com entendimento. O governo quase sempre usou a força das armas para colocar fim às revoltas, greves e outras manifestações populares. O objetivo da revolta era simples, conforme declarou o cabo Gregório do Nascimento, que assumiu o comando do navio São Paulo: conseguir o fim do castigo corporal e melhorar a alimentação.

Bibliografia
•Atlas histórico IstoÉ/Brasil 500 anos. São Paulo: Editora Três, 2000. p. 98.
•João Cândido, o Almirante Negro. Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som, 1999. il. fotos.
•ROLAND, Maria Inês. A Revolta da Chibata. São Paulo: Editora Saraiva, 2000. ISBN 8502030957
•SILVA, M. A. da. Contra a Chibata: marinheiros brasileiros em 1910. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 11-12. (Coleção Tudo é História)

O Renascimento Cultural

O termo Renascimento vem designar o renascer do passado clássico, cuja cultura era também voltada para o homem e os aspectos materiais que o cercam. Contesta – se no entanto, tal afirmação porque:
1- O interesse pela cultura antiga também está presente na Idade Média, sendo pouco veiculada devido à oposição da Igreja. Assim, deve – se desconsiderar o período medieval como “Idade das Trevas”- época em que suposta e erradamente a cultura esteve morta, para somente renascer na Idade Moderna.
2- Muito mais que o renascer da cultura clássica, a cultura renascentista possui aspectos próprios, criados e avivados durante a Idade Moderna. Pode – se afirmar que ocorre, quando muito, apenas uma inspiração no passado clássico.
Características do Renascimento Cultural
O Renascimento significou uma nova arte, o advento do pensamento científico e uma nova literatura. Nelas estão presentes as seguintes características:
a- Antropocentrismo (o homem no centro): valorização do homem como ser racional. Para os renascentistas o homem era visto como a mais bela e perfeita obra da natureza. Tem capacidade criadora e pode explicar os fenômenos à sua volta.
b- Otimismo: os renascentistas acreditavam no progresso e na capacidade do homem de resolver problemas. Por essa razão apreciavam a beleza do mundo e tentavam captá-la em suas obras de arte.
c- Racionalismo: valorização da razão em substituição à fé
d- Humanismo: o humanista era o indivíduo que traduzia e estudava os textos antigos, principalmente gregos e romanos. Foi dessa inspiração clássica que nasceu a valorização do ser humano.
e- Hedonismo: valorização dos prazeres sensoriais. Esta visão se opunha à idéia medieval de associar o pecado aos bens e prazeres materiais.
f- Individualismo: desligamento das imposições de comportamento da Igreja, o homem torna – se mais independente e voltado para si.
g- Inspiração na antiguidade clássica: os artistas renascentistas procuraram imitar a estética dos antigos gregos e romanos. h- Criticismo; crítica aos padrões de cultura da Idade Média.
i – Ceticismo; descrença na religiosidade medieval e nos valores impostos pela Igreja.
j - Elitismo; origem burguesa do movimento.
l- Mecenato; apoio fornecido pelos mecenas aos letrados e artistas.
m - Cientificismo; desenvolvimento dos estudos científicos, o que se reflete em grande proporção.
n- Naturalismo; avanços nos estudos acerca do ambiente e natureza em geral.
o- Experimentalismo; introdução dos experimentos na ciência.
Itália: o Berço do Renascimento
RAZÕES: 1- A vida urbana e as atividades comerciais, mesmo durante a Idade Média, sempre foram mais intensas na Itália do que no resto da Europa. Como vimos, o Renascimento está ligado à vida urbana e à burguesia. Basta lembrar que Veneza e Gênova foram duas importantes cidades portuárias italianas, ambas com uma poderosa classe de ricos mercadores.
2- A Itália foi o centro do Império Romano e por isso tinha mais presente a memória da cultura clássica. Como vimos, o Renascimento inspirou-se na cultura greco-romana.
3- O contato com árabes e bizantinos, por meio do comércio, deu condições para que os italianos tivessem acesso às obras clássicas preservadas por esses povos. Quando Constantinopla foi conquistada pelos turcos, em 1453, vários sábios bizantinos fugiram para Itália levando manuscritos e obras de arte.
4- O grande acúmulo de riquezas obtidas no comércio com o Oriente, formou uma poderosa classe de ricos mercadores, banqueiros e poderosos senhores. Esse grupo representava um mercado para as obras de arte, estimulando a produção intelectual.
5- Berço dos primeiros humanistas, como Petrarca, Dante e Bocaccio
6- Vigorosas tradições clássicas, com a presença de grande número de obras dessa época antiga,
7- Sede da Igreja e das mostras claras de seus abusos – donde nasce uma cultura contestadora dos padrões ditados por esta Instituição.
Não esqueça: no século XIV (Trecento) surgiram as primeiras figuras do Renascimento, como, por exemplo, Giotto (na pintura), Dante Allighieri, Boccaccio e Francesco Petrarca (na literatura). No século XV (Quatrocento) a produção cultural atingiu uma grande intensidade. Mas foi no século XVI (Cinquecento) que o Renascimento atingiu o auge.
A Decadência do Renascimento Italiano
As lutas políticas internas entre as diversas cidades - Estados e a intervenção das potências políticas da época (França, Espanha e Sacro Império Germânico), consumiram as riquezas da Itália. Ao mesmo tempo, o comércio das cidades italianas entrou em franca decadência depois que a Espanha e Portugal passaram a liderar, através da rota do Atlântico, o comércio com o Oriente.
O Renascimento em outras parte da Europa
Nos Países Baixos, uma classe de ricos comerciantes e banqueiros estava ligada ao consumo e à produção de obras de arte e literatura. Destacaram-se ainda os irmãos pintores Hubert e Jan van Eyck (A Virgem e o Chanceler Rolin).
A crítica à intolerância do pensamento religioso medieval foi feita por Erasmo de Roterdan (1466-1529) com sua obra Elogio da Loucura.
Na França: 1- na literatura e filosofia, Rabelais (1490-1 553), autor de Gargantua e Pantagruel, obra na qual critica a educação e as táticas militares medievais. Montaigne (1533-1592), autor de estudos filosóficos céticos intitulados Ensaios, nos quais o principal objeto de crítica é o clero.
2- nas ciências, Ambroise Pare (1517-1590) destacou-se com estudos de medicina. Inventou uma nova técnica para sutura das veias.
Na Espanha, a forte influência da Igreja Católica e o clima repressivo da Contra-Reforma, dificultaram as inovações. Desta forma, as realizações culturais marcadamente renascentistas foram reduzidas. Nas artes plásticas destacou-se El Greco (1575-1614), o grande pintor espanhol do Renascimento (O Enterro do Conde de Orgaz e A Visão Apocalíptica).
Na literatura, a Espanha produziu um dos maiores clássicos da humanidade. Trata-se de D. Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, obra na qual o personagem principal (D.Quixote) é um cavaleiro romântico que imagina estar vivendo em plena Idade Média. Na ciência, a Espanha contribuiu com Miguel de Servet, que se destacou pelo seus estudos da circulação do sangue.
Na Inglaterra, um dos principais expoentes do Renascimento foi Tomas Morus (1475-1535), autor de Utopia, obra que descreve as condições de vida da população de uma ilha imaginária, onde não havia classes
sociais, pobreza e propriedade privada. William Sheakspeare (1564-1616).
Foi sob o reinado de Isabel 1 que Sheakspeare produziu a maioria de suas obras, dentre as quais destacam-se Hamlet, Ricardo III, Macbeth, Otelo e Romeu e Julieta. Destaca-se ainda no Renascimento inglês, o filósofo Francis Bacon (1561-1626), autor de Novun Organun. Esse autor pode ser considerado um dos precursores do Iluminismo.
Em Portugal, o grande representante do renascimento literário foi Luís Vaz de Camões (1525-1580), autor de Os Lusíadas, poema épico que narra os grandes feitos da navegação portugues
Questões


1- ( UFPB – 2008) A Renascença ou Renascimento foi um movimento artístico e científico ocorrido na Europa entre os séculos XV e XVI.
Sobre esse movimento, identifique a(s) afirmativa(s) verdadeira(s) com V e com F, a(s) falsa(s).
( ) A utilização de métodos experimentais e de observação da natureza e do universo orientou a ação dos cientistas durante o Renascimento. O período demarca, ainda, o início de um processo de maior valorização da razão humana e do indivíduo.
( ) O Renascimento, baseado na ideologia absolutista, foi um movimento de valorização do mundo rural. Essa característica pode ser entendida pela forte influência dos mecenas, uma vez que todos eles eram vinculados à agricultura.
( ) O Renascimento surge no período de transição da sociedade medieval para a sociedade moderna e representa uma nova visão de mundo. Suas principais características eram o racionalismo e o antropocentrismo.
( ) Uma das mudanças propiciadas pela cultura renascentista foi a valorização da natureza, em contraste com as explicações sobrenaturais sobre o mundo.
A seqüência correta é:
a) VFVV b) VVFF c) VVVV d) FFVF e) FFFV


2- ( UNIVERSIDADE FEDERAL DE ZABELÊ – 2008 d.C)
A arte e a tecnologia
“ As maiores maravilhas do Renascimento são suas cidades.(...) Roma,Veneza,Florença, Siena etc.(...) Essas cidades foram criadas graças a uma grande inovadora profissionalização da tecnologia no Renascimento,e esse fato explica por que temos que entender essa tecnologia como atual,como parte da nossa cultura e da nossa vida.(...)
Temos dificuldade de perceber a influência da tecnologia porque todos conhecem o Renascimento por meio dos museus.Em geral,os museus apresentam só um aspecto da civilização renascentista,a história da arte”.(...)

O surgimento de um ideal renascentista do homem rompeu tanto com o conceito estático do homem que prevaleceu na Antigüidade quanto com o ideal de homem construído pelo pensamento cristão medieval.

Analise as proposições relacionadas ao Renascimento.
I- o Renascimento foi, em grande parte,um movimento cultural urbano,financiado por comerciantes e banqueiros.
II- As cidades foram frutos de um avanço tecnológico do Renascimento.
III- Uma das principais características do da arte renascentista foi a sua integração com a ciência e a tecnologia o que lhe permitiu produzir obras de excepcional beleza nunca antes realizadas.
IV- Com o surgimento da imprensa foi possível difundir por toda a Europa as novas idéias humanistas, ajudando, assim, na expansão do movimento renascentista.
Marque a opção verdadeira.
a) Todas as proposições estão corretas.
b) Todas as proposições estão falsas.
c) Apenas as proposições I e IV estão falsas.
d) Apenas as proposições III e IV estão falsas.
e) Apenas as proposições I e II estão corretas.

3 - (SANTANA) O humanismo do século XV e XVI, na Europa, foi intelectual que levou à eclosão do renascimento artístico, literário e científico, constituindo mesmo a base “filosófica” deste último. Neste sentido é correto afirmar que o humanismo:

1) Tentou unir diversos aspectos do paganismo grego-romano e do cristianismo medieval, associando - os a elementos culturais de origem nativas expresadas na obra Utopia.
2) Representou um passo importante no sentido da secularização, ou seja, da compreensão do mundo e do homem a partir do ponto de vista essencialmente terreno.
3) Pretendeu encontrar na Antiguidade Clássica os valores morais e estéticos capazes de exaltar o homem e suas criações.
4) Preocupou-se essencialmente com a busca e publicação, após uma crítica minuciosa, dos
textos de autores antigos há muito conhecidos.

Assinale:

a) Se somente as afirmativas 1 e 2 estiverem corretas.
b) Se somente as afirmativas 3 e 4 estiverem corretas.
c) Se somente as afirmativas 2 e 3 estiverem corretas.
d) Se somente as afirmativas 1 e 4 estiverem corretas.
e) Se somente as afirmativas 1, 2 e 3 estiverem corretas.

4- (UFC – 2000) A cultura renascentista favoreceu a valorização do homem, estimulando a liberdade de expressão presente em diferentes manifestações artísticas e literárias. Entretanto, a participação da Igreja Católica, entre os mecenas, pode ser associada:

a) à renovação das idéias defendidas pela hierarquia eclesiástica, que se deixara influenciar pelo liberalismo burguês.
b) à continuidade do cristianismo como religião dominante, limitando a liberdade de expressão aos valores estabelecidos pela igreja.
c) ao engajamento da intelectualidade católica nas experiências científicas, na tentativa de conciliar razão e fé.
d) às novas condições de vida na Europa, que extinguiram a persistência dos valores religiosos na sociedade.
e) ao surgimento de novas ordens religiosas, defensoras do mecenato como um meio de maior liberdade de expressão.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Como os Estados Unidos viraram a maior potência mundial?

Como os Estados Unidos viraram a maior potência mundial?

por Roberto Navarro

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Basicamente, o país precisou se tornar uma potência econômica e militar. Foi um longo processo que se estendeu por pelo menos 300 anos. Primeiro, os caras "arrumaram a casa", resolvendo conflitos internos políticos e econômicos, unificando a sociedade americana e expandindo seu território. Ao mesmo tempo, diversos setores da sociedade engajaram-se para tornar o país um ambiente favorável ao capitalismo. A receita básica era incentivar a iniciativa privada (ajudando empresários que queriam abrir o próprio negócio, por exemplo) e garantir que o governo se metesse pouco na economia (o mercado, pela lei da oferta e da procura, regularia o sobe-e-desce econômico). Uma terceira mudança rolou no campo dos costumes: para "dominar" o mundo, a sociedade americana precisou superar seu histórico isolacionismo - a tendência de não se envolver em conflitos armados internacionais. Lá pelo final do século 19, o tripé do crescimento ianque estava armado. A expansão econômica exigia a busca de novos mercados, o que levou os Estados Unidos a guerrear com a Espanha, em 1898, o primeiro de muitos conflitos internacionais do Tio Sam. "Guerra e crescimento econômico são quase que indissociáveis na aventura imperialista dos Estados Unidos", afirma José Otávio Nogueira Guimarães, historiador da Universidade de Brasília. Como você confere na linha do tempo ao lado, a fórmula "sangue + dinheiro" se repetiu muitas vezes, tornando-se decisiva para consolidar e manter os americanos no topo do mundo.

Grana e granada

Pujança econômica e vitórias militares colocaram o Tio Sam no comando do planeta

A partir de 1946

Empresas americanas são impulsionadas com o repasse de tecnologias militares e com a abertura do mercado europeu na reconstrução do continente. A partir daí, a maioria dos historiadores não tem dúvidas em dizer que os Estados Unidos são a única superpotência mundial

1941

Em um momento decisivo do conflito, os americanos entram na Segunda Guerra. O apoio é vital para o triunfo aliado e a conversão da indústria americana para a guerra resulta em importantes avanços tecnológicos e econômicos

1917

Os Estados Unidos abandonam a neutralidade na Primeira Guerra e entram no conflito. Nos campos de batalha da Europa, divisões americanas desempenham papel importante para a vitória, consolidando o prestígio militar do país

Início do século 20

Uma gigantesca onda de imigração leva aos Estados Unidos mais de 35 milhões de europeus. A força de trabalho farta e barata contribui para a aceleração do vigor econômico

Virada do século 20

A industrialização espalha-se rapidamente pelo país. Agora é a produção das fábricas que cresce vertiginosamente. Os Estados Unidos já são a maior potência econômica do mundo, mas com reduzida importância militar

1898

Os Estados Unidos apóiam a independência de Cuba e entram em guerra com os espanhóis. Com uma poderosa frota de navios de guerra, os americanos vencem e conquistam antigas colônias espanholas, como Porto Rico e Filipinas

1776

A história do domínio americano começa na independência do país. Colonos europeus em fuga chegam ao leste do que viria a ser o território dos Estados Unidos, colocando em prática a "ética do trabalho" de um vigoroso capitalismo

1865

A Guerra de Secessão (1861-1865) destrói os estados do sul do país, escravocratas e agrários. Mas os estados do norte, vencedores, readmitem os sulistas na união dos estados americanos e investem pesado para recuperar a economia

1876

Última grande guerra do Exército americano contra nações indígenas que se opunham à colonização de suas terras. A derrota dos índios estimula a expansão populacional rumo ao oeste, com novos territórios abertos à agropecuária

Final do século 19

A criação de uma ampla malha ferroviária e a remoção de índios para reservas levam ao drástico aumento da área de terras cultivadas. Amparada pela mecanização, a produtividade das colheitas explode

Como a Alemanha e o Japão se recuperaram tão rápido depois da Segunda Guerra?

Como a Alemanha e o Japão se recuperaram tão rápido depois da Segunda Guerra?

por Roberto Navarro

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Os dois países derrotados na Segunda Guerra (1939-1945) se reergueram graças a fatores econômicos, políticos e até culturais. Ao contrário do que muita gente pensa, as economias alemã e japonesa não ficaram completamente arrasadas após a guerra. Boa parte das fábricas, por exemplo, permaneceu de pé - e já eram indústrias modernas e bem desenvolvidas. Além de aproveitar essas instalações, os dois países contaram também com grande ajuda estrangeira para se reerguer. "Japão e Alemanha receberam polpudos auxílios das potências capitalistas vitoriosas, preocupadas em evitar o avanço do socialismo pela Europa e pela Ásia", afirma o historiador Anderson Batista de Melo, da Universidade de Brasília. Entre 1949 e 1952, a Alemanha Ocidental recebeu dos Estados Unidos quase 30 bilhões de dólares em valores atualizados. Boa parte dessa grana fazia parte do Plano Marshall, um programa patrocinado pelos Estados Unidos para reabilitar a economia da Europa após a guerra. Já o Japão recebeu um auxílio de 16 bilhões de dólares. Outro ponto importante na recuperação é que os dois países já tinham ótimos sistemas educacionais, capazes de formar técnicos e cientistas qualificados para ajudar as nações a se reerguerem após a derrota.

Ritmos diferentes

Alemanha se reergueu mais rápido, mas foi ultrapassada pelo Japão

Evolução do PIB*

1946 - RECESSÃO BRUTAL

A derrota na Segunda Guerra nocauteia as economias alemã e japonesa: entre 1943 e 1946, o PIB do Japão cai 48% e o da Alemanha 65%. A partir do final dos anos 40, os dois começam a receber ajuda financeira, principalmente dos EUA

1950 - ARRANCADA ALEMÃ

A economia alemã cresce 85% entre 1946 e 1950! O Japão cresce "só" 45%. É que o apoio financeiro dos EUA aos alemães é quase o dobro. Culpa da Guerra Fria: a Alemanha Ocidental está cercada por países socialistas, rivais dos americanos

1970 - A ULTRAPASSAGEM

Entre 1960 e 1970, o crescimento alemão entra num ritmo de 5% ao ano, contra alucinantes 17% ao ano do Japão. É que a exportação de produtos inovadores e baratos leva a indústria japonesa a conquistar o mundo. Com isso, o PIB nipônico supera o alemão

1960 - O JAPÃO ACELERA

As duas nações seguem crescendo num ritmo forte, mas o Japão acelera mais graças a várias reformas econômicas que modernizam a economia. Entre 1950 e 1960, a Alemanha cresce cerca de 11% ao ano contra 13% do Japão

* O PIB (Produto Interno Produto) é a soma de todas as riquezas produzidas pelo país. Dados calculados pelo valor atual em dólares. Fonte: pesquisas da economist intelligence unit (EIU)

Como os arqueólogos estimam a população das antigas civilizações?

Como os arqueólogos estimam a população das antigas civilizações?

por Luiz Fujita

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Os arqueólogos fazem um “chute científico”, usando como referências civilizações que viveram em épocas e locais próximos. Primeiro, os arqueólogos delimitam a área onde encontraram os indícios de civilização – como ossos humanos ou cacos de cerâmica – e estimam o território habitado. Depois, buscam informações já disponíveis sobre povos que viveram o mais perto possível do local – desde que tenham características semelhantes (como o tipo de organização social). Mas isso só irá ajudar se a civilização usada como referência tiver feito algum tipo de censo, de contagem da população. Com os dados conhecidos, os arqueólogos fazem uma conta de número de pessoas por área, transportam esse resultado para a nova civilização descoberta e, assim, supõem a sua população total. O resultado não é 100% correto, já que os territórios podem ser menos ou mais densos demograficamente. Ainda assim, por enquanto é o único chute consciente que se pode dar.

Que índios dominavam o litoral do Brasil na época do Descobrimento?

Que índios dominavam o litoral do Brasil na época do Descobrimento?

por Luciano Marsiglia

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-Quantas bandeiras o Brasil já teve?

As principais tribos faziam parte de um grupo indígena muito amplo conhecido como tupi, nome da língua que eles falavam. Mas os tupis não eram uma nação indígena homogênea. Eles tinham grandes rivalidades internas que acabaram sendo exploradas pelos europeus que tentavam colonizar a região. Ainda hoje os historiadores não chegaram a um consenso sobre a melhor maneira de separar as principais tribos tupis e também para delimitar a área exata que cada uma delas ocupava no litoral. Mas tupiniquins, tupinambás, tamoios, caetés, potiguaras e tabajaras quase sempre aparecem citadas como as principais tribos tupis.

CARNAVAL DE TRIBOS
Subgrupos tupis tinham rivalidades e se dividiam entre aliados e inimigos dos colonizadores


POTIGUARAS
Cacique famoso: Iniguaçu
Dominaram do litoral da Paraíba até o do Ceará e foram um dos grandes inimigos dos portugueses no Nordeste. Grandes guerreiros, só foram derrotados na região quando os colonizadores conseguiram fazer alianças com outros grupos nativos

TUPINAMBÁS
Cacique famoso: Cunhambebe

No Nordeste tinham aldeias no norte da Bahia e em Sergipe. No Sudeste, habitavam do litoral norte do Rio de Janeiro até São Sebastião (SP) – fronteira com o território tupiniquim, com quem viviam em guerra. Foram grandes rivais dos portugueses

TABAJARAS
Cacique famoso: Piragibe

Vindos do litoral de Alagoas e de Sergipe, os tabajaras se fixaram na Paraíba quando a região já era ocupada pelos potiguaras, que viraram seus grandes rivais. Por causa dessa disputa, acabaram se aliando aos colonizadores portugueses

TUPINIQUINS
Cacique famoso: Tibiriçá

Havia tupiniquins no centro-sul da Bahia, mas a maior concentração da tribo era na região da atual Grande São Paulo. Um subgrupo tupiniquim, os guaianases, dominava o litoral sul de São Paulo até regiões perto da cidade de São Sebastião (SP)

CAETÉS
Cacique famoso: Cururupebe

Encontrados em Alagoas e Pernambuco, ficaram historicamente famosos pelo episódio em que comeram o bispo Sardinha – português que naufragou na região. Tinham relação mais amistosa com franceses que circulavam pela área da tribo

TAMOIOS
Cacique famoso: Aimberê

Eram encontrados no litoral norte de São Paulo, mas habitavam principalmente o vale do Paraíba. Conseguiram vitórias memoráveis contra os portugueses. Como quase todos os grupos indígenas do litoral, praticavam o canibalismo


NÓS VAMOS INVADIR SUA PRAIA!

Na disputa pela atual região Sudeste, portugueses ganharam apoio dos tupiniquins contra os franceses

1. No início da colonização, os portugueses enfrentam a resistência de várias tribos no Sudeste. Porém, por volta de 1540, eles se aliam aos tupiniquins. O náufrago português João Ramalho, que há anos vivia com a tribo, ajuda na aproximação

2. Brás Cubas, governador português da capitania de São Vicente, tenta promover a colonização escravizando os nativos rebeldes. Com a ajuda de tupiniquins catequizados, os portugueses enfrentam
os tupinambás

3. Índios como os tamoios e os goitacazes – do litoral norte do Rio – também entram em choque com os colonizadores. Para se defender, esses índios se unem aos tupinambás e criam a chamada Confederação
dos Tamoios, em 1554

4. Nesse período, os franceses também tentam colonizar o Brasil. Aproveitando-se da luta entre portugueses e índios, os franceses se unem aos tupinambás e à confederação. Em 1555, eles criam a
França Antártica na baía de Guanabara, no Rio

5. Em 1563, os jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta propõem uma trégua aos índios inimigos dos portugueses. A Paz de Iperoig – nome da atual cidade de Ubatuba (SP) – é acertada com o cacique
Cunhambebe, dos tupinambás

6. A paz serve apenas para os portugueses romperem a aliança entre índios e franceses, que são expulsos do Rio de Janeiro por volta de 1567. Nas décadas seguintes, os tupinambás e os tamoios
são praticamente extintos ou escravizados

CONSULTORIA: JOÃO PAULO STREAPCO, MESTRANDO EM HISTÓRIA SOCIAL NA USP

domingo, 24 de maio de 2009

História do Brasil: República Velha ou Oligarquica, A Era Vargas, populismo, Ditadura Militar e Nova República.‏

Como era o Brasil no final do século 19?
Era um país de fronteiras definidas, não muito diferente do Brasil de hoje. Porém, mesmo no início do século 20, havia vastas regiões não ocupadas – como grandes áreas do Oeste de São Paulo, onde viviam índios. Do ponto de vista da produção, houve um grande impulso no Centro-Sul, basicamente resultante do café, e também no Sul, com a instalação da pequena propriedade. Essa pequena propriedade, dedicada ao cultivo de produtos como trigo e uva e à fabricação de vinho, se baseava na imigração de colonos alemães, que começaram a chegar ali desde 1820, antes da imigração em massa que ocorreria no próprio século 19. No Nordeste, talvez o fenômeno mais interessante seja a alteração do sistema de produção de açúcar, com a melhoria das técnicas, sobretudo a partir da construção dos grandes engenhos novos, chamados de engenhos centrais.
Quais as características do começo do período republicano?
A Constituição republicana de 1891 adotou o modelo da República federativa, isto é, o Brasil foi dividido em vários estados, reunidos numa federação. Houve uma descentralização dos poderes, das atribuições e dos direitos dos estados, que ganharam autonomia para contrair empréstimos no exterior e constituir suas próprias forças públicas. Sob o aspecto social e ideológico, a proclamação da República se deveu, como vimos, a duas forças muito diferentes, os militares e as elites civis dos grandes estados. Nos primeiros tempos, predominaram os militares – basta pensar nos governos de Deodoro e Floriano –, mas logo depois, a partir de Prudente de Morais, instituiu-se uma República civil.
De onde veio o modelo da Primeira República?
A Constituição de 1891 adotou em grandes linhas o modelo da Constituição dos Estados Unidos, cuja característica é o presidencialismo, quer dizer, o presidente é eleito com mandato e tem poderes independentes do Congresso. Além disso, também seguindo o modelo americano, houve uma divisão entre três poderes: o Executivo, que executa as leis ou encaminha projetos de lei para o Congresso; o Legislativo (Câmara dos Deputados e Senado), que faz as leis; e o Judiciário, que julga conflitos entre os cidadãos e interpreta as leis, inclusive a Constituição.
Como era o sistema eleitoral?
Tal como ocorria nos últimos anos do Império, o voto continuou a ser permitido apenas às pessoas alfabetizadas, e não era secreto. Além disso, não existia uma Justiça Eleitoral, como existe hoje, para fiscalizar as eleições. Nesse quadro, dificilmente o resultado das eleições correspondia às intenções reais dos cidadãos. A participação dos eleitores era muito pequena, mas isso não surpreende, pois a situação era idêntica em outros países, mesmo nos mais desenvolvidos.
E quanto às relações do Estado com a Igreja Católica?
Nesse campo a mudança foi grande. No Império, o regime vigente era de padroado, isto é, o Estado pagava o clero. Mas as elites civis republicanas, sob forte influência de idéias liberais, cientificistas e laicas, não eram compostas de gente religiosa. Logo no começo da Primeira República aprovaram-se leis que tiraram da Igreja certas atribuições. Por exemplo: embora o casamento religioso continuasse a existir, o casamento civil, feito por um juiz de paz num cartório, passou a ser o único legitimamente reconhecido. O mesmo se deu com o registro de nascimento, que deixou de ser feito nas paróquias para ser feito em um cartório de registro civil. E houve a secularização dos cemitérios, isto é, eles deixaram de pertencer a uma religião para se abrir a todas as religiões, ou até a quem não tivesse religião. Houve de fato uma separação entre Igreja e Estado, e a Igreja Católica deixou de ser a oficial. De certo modo, isso foi mais um bem do que um mal para a Igreja, que se livrou da subordinação e precisou reforçar seus quadros, melhorar sua atividade e aparecer como força espiritual autônoma.
Qual era a situação no meio rural?
No começo do século 20, algumas regiões progrediam muito, mas amplas extensões no campo eram extremamente pobres, carentes, com populações que ficaram à margem do progresso. É o caso de quase todos os estados do Nordeste, onde a grande maioria das pessoas servia de mão-de-obra a grandes proprietários ou cultivava uma terrinha, muito precariamente.
Foi nessa época que surgiu o arraial de Canudos?
Aconteceram alguns episódios sociais importantes, como o arraial de Canudos, que se instalou no norte da Bahia por volta de 1897, tendo como personagem central uma figura urbana, Antônio Conselheiro, um homem místico que fazia uma pregação monarquista, contra a República. Sertanejos atacados pela seca e pelas más condições de vida buscaram no arraial, em um sistema comunitário, uma perspectiva de melhoria. O fenômeno era produto das enormes carências da população sertaneja, mas o governo da República encarou-o como uma ameaça monarquista e resolveu liquidá-lo. Essa decisão desgastou o governo de Prudente de Morais, o primeiro presidente civil, pois, surpreendentemente, sucessivas operações militares fracassaram ao enfrentar o arraial de Canudos, antes de conseguir dizimar quase toda sua população.
O que foi a política do café-com-leite?
O pitoresco nome de república café-com-leite se refere ao predomínio de dois estados, na Primeira República: São Paulo e Minas Gerais, que tinham por base econômica o café e o leite. Mas nem tudo no Brasil, do ponto de vista político, se resumia à aliança entre São Paulo e Minas. Também há quem se refira a esse período como “república dos coronéis”, pelo predomínio da figura do coronel – título dado a antigos coronéis da Guarda Nacional que controlavam uma área, arregimentavam a população e seus votos. Mas de fato podemos dizer que tínhamos uma república oligárquica. Em sua origem, a palavra oligarquia significa governo de poucos. A Primeira República foi exatamente isso: dominada por grupos concentrados nos estados maiores, que, organizados em partidos estaduais, decidiam quem seria o presidente. Era uma espécie de “clube dos notáveis”, no qual a população praticamente não influía.
O coronelismo existiu em todas as regiões?
É comum se pensar no coronelismo como um fenômeno do Nordeste, mas ele existiu em São Paulo e no Rio Grande do Sul, só que de maneira diferente, por exemplo, daquele de certas áreas da Bahia, onde verdadeiros “senhores da guerra” ditavam as ordens, à frente de seus exércitos privados, ameaçando até o governador do estado. Já no Rio Grande do Sul, muitos dos coronéis não eram proprietários de terra, e sim comerciantes.
Os estados eram de fato autônomos?
Quando falamos em autonomia dos estados na Primeira República, é preciso pensar que existiam alguns de primeira grandeza, estados fortes, e outros de segunda ou terceira grandeza, estados fracos. Os interesses de São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul e, em certa medida, Bahia e Pernambuco, tinham um peso bem específico.
Qual era o panorama econômico da época?
A Primeira República foi caracterizada pela agricultura de exportação, na qual o café ocupava o posto mais importante. A partir de 1880, e por quase trinta anos, a borracha da Amazônia foi o segundo produto de exportação, superando o açúcar. Era grande a demanda desse produto no que hoje chamamos de Primeiro Mundo: no início, quando se difundiu a moda da bicicleta, com pneus de borracha; e, depois, com o surgimento do automóvel. A riqueza gerada por ela mudou a fisionomia de Manaus e Belém, as capitais do Norte. Quem nunca teve benefícios foi o seringueiro, que trabalhava na mata. Mas por volta de 1910 começou a crise; em primeiro lugar pela competição das plantações inglesas da Malásia, na Ásia; além disso ocorreu aqui o ataque de uma série de pragas. Foi-se assim toda a antiga riqueza, mas restou muita beleza, como o Teatro Amazonas, em Manaus, ou o Teatro da Paz, em Belém, restaurados recentemente.
Por que houve imigração?
Desde meados de 1870, se iniciou um fenômeno de imigração em massa, principalmente de colonos italianos; em parte eles se dirigiam para o Sul, onde já havia imigrantes alemães. Outros se estabeleceram no Centro-Sul, especialmente em São Paulo. Esse movimento se deveu a dois fatores: diante das condições de pobreza na Europa muitas pessoas sonhavam com “fazer a América”, como se dizia na época; além disso, com a abolição, os fazendeiros precisavam substituir a mão-de-obra dos escravos. Para atrair imigrantes da Europa, foram mobilizados muitos recursos. Em São Paulo foi construída a Hospedaria dos Imigrantes (hoje Museu do Imigrante), onde eles eram recebidos e depois encaminhados para as fazendas de café. Mas muitos imigrantes permaneceram nas cidades, ou retornaram do campo após uma experiência. Viam nas cidades maiores oportunidades de ganho e mais liberdade do que no duro regime de trabalho das fazendas de café. Depois dos italianos vieram os espanhóis e, nos primeiros anos do século 20, começaram a chegar os japoneses – estes de fato se fixaram por muito tempo no campo.
Como fenômeno social, a imigração deu certo no Brasil?
Em termos gerais, sim, mas isso não significa que todos tenham sido bem-sucedidos. Muita gente permaneceu pobre no Brasil, ou voltou para seus países. A vida do colono do café era difícil, embora existissem oportunidades de ascensão social. Muitos imigrantes conseguiram avançar na vida e integrar-se à sociedade brasileira.

Como ocorreu o início da industrialização?
Havia uma frase comum na Primeira República: “o Brasil é um país essencialmente agrícola”, pressupondo que deveríamos nos ater às atividades agrícolas e esquecer tudo o mais. Apesar disso, houve certo impulso de industrialização no país, em áreas do Nordeste, em São Paulo e no Sul. Em São Paulo resultou da própria atividade cafeeira, que gerou expansão econômica e urbanização, criando um mercado interno para os produtos industriais. Não chegou a ser um grande surto, mas é importante lembrar isso para não pensar que a indústria começou em 1930.

Quais eram os movimentos sociais de maior expressão?
O integralismo, de extrema direita, e o movimento comunista, de extrema esquerda. O integralismo, inspirado no fascismo, tinha como seu líder mais importante Plínio Salgado, político e intelectual de São Paulo, e contava com base popular. Os integralistas eram nacionalistas, pretendiam impedir a ação dos chamados “trustes estrangeiros” e defendiam um país organizado de cima para baixo, sem liberdades democráticas, controlado por um partido único. Era um movimento profundamente antidemocrático e com muitos traços tradicionalistas. Seu lema era “Deus, Pátria e Família”.

Do outro lado, estavam os comunistas ligados à União Soviética. O principal chefe comunista foi Luís Carlos Prestes, que rompera com os tenentes em maio de 1930 e viria a ser o maior líder do Partido Comunista do Brasil. Os comunistas pregavam uma revolução denominada democrático-burguesa, como etapa para uma revolução socialista. Também eram nacionalistas, mas enquanto os integralistas se aproximavam principalmente da Itália, os comunistas aderiram à União Soviética. Também se distinguiam dos integralistas por uma atitude mais aberta no plano do comportamento (por exemplo, a defesa do divórcio), pela defesa das minorias e pela denúncia do racismo.
Como esses movimentos se relacionavam com Getúlio?
Os integralistas apoiaram Getúlio na esperança de acumular forças dentro do governo, com o qual aliás tinham afinidades. Os comunistas, por sua vez, formaram a Aliança Nacional Libertadora (ANL), que pretendia ser uma grande frente popular contra o governo e a favor de reformas significativas. Getúlio mandou fechar a ANL e instituiu uma legislação repressiva, a Lei de Segurança Nacional. Na ilegalidade, os comunistas se insurgiram, em novembro de 1935, em um movimento militar mal coordenado que acabou em fracasso. Existem fortes indícios de que o governo Vargas já sabia dos preparativos da insurreição, tendo recebido informações do serviço secreto inglês. O fato é que essa revolta serviu para Getúlio desfechar uma onda de repressão.
Quais as conseqüências dessa onda de repressão?
Getúlio e a cúpula do Exército usaram a insurreição como pretexto para preparar o caminho da instalação de um regime autoritário, que se distinguiria obviamente dos comunistas, mas também dos integralistas. A expectativa destes era chegar ao poder pela Aliança Integralista Brasileira, transformando-a em um partido único que serviria de base para um regime semelhante ao fascismo. Mas não eram estas as intenções do governante, para quem a existência de partidos levaria à desorganização do país. Entre novembro de 1935 e 10 de novembro de 1937 criaram-se todas as condições para que o governo Vargas, eleito legalmente pelo Congresso, de forma indireta, se transformasse num governo ditatorial, por meio do golpe que instituiu o Estado Novo – uma operação realizada praticamente sem resistência.
Como o integralismo se firmou?
Uma das razões do prestígio do movimento integralista se relaciona com a ascensão das ideologias antiliberais, que ganharam força após o início da crise mundial de 1929. Na época, parecia que o capitalismo e as idéias liberais estavam destinados a desaparecer. Ganharam prestígio as idéias autoritárias, o totalitarismo de esquerda e de direita, os sonhos revolucionários. Para muitos, o integralismo parecia um eixo seguro, em defesa da ordem, imbuído de patriotismo, de respeito a Deus e à família, contra os riscos desagregadores dos comunistas, vistos como ateus, inimigos da família e da propriedade. Essas coisas encantaram setores da classe média brasileira.
E com relação aos comunistas?
Em parte, os comunistas ganharam prestígio por sua identificação com a União Soviética, país que muitos acreditavam, ilusoriamente, ser o reino da liberdade e da igualdade. Ao mesmo tempo, havia os atrativos da mudança de costumes, da possibilidade de divórcio, da luta contra o imperialismo e o racismo, a favor do nacionalismo.
O Estado Novo teve apoio popular?
O Estado Novo foi a primeira ditadura do Brasil, embora fosse falsamente apresentado como a verdadeira democracia. Suprimiram-se as eleições, os partidos e a liberdade de expressão. Introduziu-se a censura e a tortura a presos políticos, em especial comunistas, tornou-se prática corrente. Mas o Estado Novo tinha apoio popular, mesmo silencioso. Lembremos das medidas favoráveis aos trabalhadores urbanos. Habilmente, Getúlio captou a seu favor as comemorações do 1º de maio, um dia de luta, aproveitando para reforçar os laços simbólicos com a classe trabalhadora. Em seu discurso solene, que começava com a expressão: “Trabalhadores do Brasil”, anunciava algum novo benefício. Havia aquela expectativa: o que Getúlio vai anunciar no 1º de maio? O Estado Novo, um regime repressivo, que estabeleceu a tortura como método, ganhou a simpatia da massa popular. É preciso entender essas diferenças para não fazer uma história em preto-e-branco, quando ela não é nem preta, nem branca, mas tem muito cinza, muita mistura de cores.
Qual era o quadro da política externa?
O mundo estava dividido em grandes potências e o Brasil tinha de tomar uma posição. O regime getulista se aproximara dos países totalitários, Alemanha e Itália, por razões ideológicas e por interesses comerciais: os alemães, por exemplo, compravam o algodão brasileiro e quebravam a hegemonia dos Estados Unidos. No governo havia os que defendiam a aproximação com Alemanha e Itália e os partidários de Inglaterra, França e Estados Unidos. Com o início da guerra, em 1939, foi preciso fazer uma opção; Getúlio, que mostrara muita simpatia pela Alemanha e pela Itália, acabou pendendo para as forças democráticas, por razões de ordem prática. Ele percebeu o significado da posição do Brasil no mundo ocidental, com a enorme influência do “grande irmão do norte”, os Estados Unidos. Fugir desse campo seria uma aventura extremamente arriscada, e em poucos meses, com a Segunda Guerra Mundial já iniciada, ele se decidiu a favor das potências aliadas. As investidas dos alemães contra a Marinha brasileira apressaram a ruptura de relações com os países do Eixo – Alemanha, Itália e depois Japão – e finalmente houve a declaração de guerra contra esses países. Em um clima patriótico, criaram-se condições para que o Brasil mandasse a Força Expedicionária Brasileira, a FEB, para lutar na Itália. Quando os “pracinhas” retornaram em 1945, no fim da guerra, foram recebidos como heróis nas cidades brasileiras.
O que determinou a crise do regime?
O Estado Novo foi um período curto, de novembro de 1937 até 1945, e seu fim resultou de uma conjugação de fatores externos e internos. A vitória das forças democráticas na Segunda Guerra deu novo prestígio à democracia no Brasil, pelo menos nos setores da sociedade que tinham mais voz: jornalistas, intelectuais e profissionais liberais. Esse clima ajudou a engrossar a oposição ao Estado Novo e criou a necessidade de preparar o caminho para a democratização. Sensível a esse novo quadro, Getúlio no entanto fez uma jogada arriscada: tentou se apoiar na mobilização popular, como nunca fizera antes. Além dos setores políticos e de trabalhadores que sempre haviam estado a seu favor, buscou também se aproximar dos comunistas, que estavam na ilegalidade, muitos deles presos. Começou o movimento chamado “queremismo” (nome tirado do slogan “queremos Getúlio”), reivindicando a convocação de eleições para uma constituinte, mas mantendo Getúlio no poder até que se promulgasse a nova Constituição e fossem feitas novas eleições.
Como terminou o Estado Novo?
A cúpula militar, que até então apoiara o ditador, não aceitou o rumo dado pelo movimento queremista e depôs o presidente, com a participação de grupos da elite civil. Vargas conservava intacto seu prestígio junto à população e a determinados setores, como a maioria dos industriais. Assim, os que o depuseram não pretenderam colocá-lo fora do jogo político, mas sim tirá-lo do poder central, sem cortar todas suas asas. Getúlio foi deposto em outubro de 1945 e substituído provisoriamente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro José Linhares. Seguiram-se as eleições gerais, em dezembro daquele ano.

Chamamos de processo histórico o desenrolar dos acontecimentos ao longo da história. Como esses acontecimentos têm uma lógica, uma relação de causa e efeito, damos a isso o nome de processo."

Quais eram os partidos políticos antes da queda de Vargas?
Nessa época começou a constituição dos partidos que iriam existir ao longo dos anos democráticos, entre 1945 e 1964. Os principais foram a União Democrática Nacional (UDN), que representava os opositores ao governo; o Partido Social Democrático (PSD), de certo modo uma invenção de Vargas, representando sobretudo a burocracia do Estado Novo e setores rurais; e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), também imaginado por Vargas, pretendendo organizar a classe trabalhadora urbana. A novidade é que se formaram partidos nacionais e não se permitiu a criação de partidos estaduais.
O que ocorreu nas eleições presidenciais de 1945?
Quando o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, assumiu o poder, cuidou de preparar as eleições de 2 de dezembro de 1945, que já estavam marcadas. Houve dois candidatos principais: o general Eurico Gaspar Dutra, figura central do Estado Novo; e o brigadeiro Eduardo Gomes, o candidato da UDN, a oposição. Curiosamente, os dois eram militares, mas pode-se dizer que Eduardo Gomes era um militar liberal e Dutra vinha da tradição autoritária do Estado Novo. Para surpresa de muita gente, Dutra venceu com uma larga margem de votos.
Como se explica a vitória de Dutra?
Ele contou com a máquina dos governos estaduais, que controlavam principalmente os votos do campo, e também com a burocracia do Estado Novo, que se mantinha intacta. Além disso, conquistou o voto da classe trabalhadora e de setores da classe média urbana, graças ao apoio de Getúlio, nos últimos dias da campanha. Getúlio concorreu aos cargos de deputado e de senador por vários estados (na época isso era permitido) e sua votação foi consagradora, demonstrando que ele fora afastado da presidência, mas não do jogo político. Optou por ser senador pelo Rio Grande do Sul.
E quanto às mudanças na Constituição?
Além do presidente, a eleição se destinou também a escolher uma Assembléia Constituinte, que seria encarregada de elaborar uma nova Constituição em substituição à baixada pelo Estado Novo em 1937, de perfil autoritário. Pode-se dizer que a Constituição de 1946 tinha características liberal-democráticas. Ela estabeleceu a divisão entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e a representação pelo voto individual para a Câmara e o Senado. Continha um capítulo garantindo liberdades democráticas, mas no campo sindical representou uma continuidade do Estado Novo. Foi mantida a organização dos sindicatos de cima para baixo, dependente de uma espécie de carimbo oficial. Um ponto significativo da Constituição de 46 foi estabelecer definitivamente o voto para todas as mulheres maiores de 18 anos.
Qual era o quadro da política internacional na época?
Até 1947, 1948, havia um acordo entre as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, uma espécie de lua-de-mel entre a União Soviética e os Estados Unidos, mas não durou muito. Por trás do acordo estava a necessidade de enfrentar as potências do Eixo (Alemanha, Japão e Itália), e por isso ele se rompeu dois anos depois do fim da guerra. Para a União Soviética e os países ligados a ela no Leste Europeu, os chamados satélites, os objetivos estavam voltados à expansão do comunismo. Isso evidentemente se chocava com as perspectivas dos países democráticos e com a hegemonia americana, e assim se iniciou a chamada guerra fria, entre os dois blocos em que se dividiu o mundo.
Como a guerra fria se refletiu na política brasileira?
De várias formas. Uma delas foi o comportamento em relação ao Partido Comunista. No ambiente de confraternização que se seguiu à Segunda Guerra, houve a legalização imediata do Partido Comunista. A guerra fria criou um divisor de águas. Por meio de um processo legislativo no Congresso, o Partido Comunista, que naquele tempo tinha prestígio, quadros e popularidade, mais uma vez se tornou clandestino.
Como se deu a volta de Getúlio Vargas ao poder?
Nas eleições de outubro de 1950 Getúlio Vargas voltou ao poder, eleito presidente pelo PTB. Ele não perdera sua popularidade ao longo do governo Dutra e seus adversários nas eleições não eram tão expressivos: Cristiano Machado, do PSD, e o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN (que já havia sido derrotado em 1945). (Aliás, foi uma das raras vezes em que o PTB e o PSD se dividiram; ao longo dos anos, pois em geral atuaram em aliança.) Getúlio contou com um conjunto de forças de apoio – do empresariado nacional à classe trabalhadora, em particular os trabalhadores urbanos, mas esse seu retorno ao poder era em circunstâncias bem diferentes das anteriores. Agora precisava submeter-se ao processo democrático, o que implicava procurar entendimentos e aceitar divergências, jogo no qual não se sentia à vontade. Ao mesmo tempo, enfrentava divisões no Exército, disputas na sociedade e um quadro econômico que se agravava, especialmente com o aumento da inflação. Esses fatores resumem as dificuldades de Getúlio para se manter no poder, gerando a crise que o levou ao suicídio.
Havia cisões no interior das Forças Armadas?
A guerra fria introduziu um elemento nítido de divisão no interior das Forças Armadas. Em linhas gerais, formaram-se duas correntes, especialmente no Exército: a nacionalista e a que depreciativamente era conhecida como “entreguista”. No plano da política internacional, os nacionalistas adotavam uma postura de independência com relação aos Estados Unidos; entre eles havia até simpatizantes da União Soviética e do PCB. Os “entreguistas” pleiteavam maior aproximação com a política americana. Na política interna, os nacionalistas defendiam o papel do Estado no desenvolvimento. Já os “entreguistas”, embora não pretendessem retirar o Estado da economia, queriam que aumentasse a participação do capital privado na vida econômica. Essa disputa entre nacionalistas e “entreguistas” vai percorrer toda a história brasileira daí para a frente, até o movimento militar de 1964. Ocorre então a politização do Exército e do Clube Militar, que se torna o centro de disputas violentas entre as duas facções.
Qual era o significado do populismo?
Foi uma política assumida por Getúlio nos últimos anos do Estado Novo, pela qual ele procurou fazer, no plano político, uma aliança entre o Estado, os empresários industriais e os trabalhadores urbanos organizados. Mas no segundo governo Vargas o populismo tomou um aspecto mais mobilizador, quer dizer, o presidente acreditava que podia mobilizar as classes trabalhadoras urbanas e se apoiar nelas, como recurso político para realizar seus objetivos. Um dos momentos de mobilização mais intensa foi o da luta pelo monopólio estatal do petróleo, que deu origem à formação da Petrobras. Essa luta mostrou, na realidade, que havia mais possibilidade de mobilizar o país em torno de valores nacionais, e não de classe social. O nacionalismo econômico mobilizou trabalhadores, classe média e empresários, com forte influência do próprio governo e dos comunistas, que estavam na ilegalidade, garantindo o monopólio estatal do petróleo, aprovado no Congresso em 1953.
Qual era a reação ao populismo de Getúlio?
Esse populismo assustou setores conservadores, especialmente no Exército. Um dos personagens centrais do esquema populista foi João Goulart, conhecido pelo apelido de Jango, que foi ministro do Trabalho de Getúlio. Ele vinha do Rio Grande do Sul, do meio social do presidente, e teve um papel importante na mobilização populista – controlava os sindicatos e dava-lhes apoio, ao mesmo tempo em que costurava o jogo político no meio sindical. O temor ao getulismo mobilizador teve muito a ver com certas fantasias, como a da República sindicalista, a idéia de que os sindicatos tomariam o poder. Isso em parte se explica pelo ambiente daqueles anos, também em outros países como Argentina e Chile, onde emergia a fórmula política populista. Foi a época de grande prestígio de Perón na Argentina, o general que acabou sendo derrubado pelos militares em 1955.
Houve greves no segundo governo de Getúlio?
As greves em geral foram instrumentadas pelo esquema populista, quer dizer, trabalhava-se para que as reivindicações dos grevistas servissem aos propósitos do governo. Não era, porém, uma manipulação pura e simples dos trabalhadores. Na realidade, Getúlio e Jango tratavam de apoiar os grevistas, acolher algumas reivindicações e ao mesmo tempo evitar que o movimento escapasse dos limites. Mesmo assim, alguns fugiram à influência do governo. O caso mais expressivo foi em São Paulo, com a chamada greve dos 300 mil, que começou pelos têxteis. Não foi controlada pelo Ministério do Trabalho, e já apontava para a existência de algumas forças que começavam a se aproximar da figura de Jânio Quadros.
Quais as principais razões para a crise do governo Vargas?
A crise, que acabou levando ao suicídio do presidente, tem uma série de razões: o populismo mobilizador, a inflação, a concessão de vencimentos maiores para determinados setores do Estado, enfim, um conjunto de circunstâncias foi prejudicando a estabilidade do governo. Mas o que detonou a crise foi o acirramento da luta política. Naqueles anos, se intensificou a divisão entre os partidários de Vargas e seus inimigos, que estavam na UDN. O jornalista Carlos Lacerda, diretor do jornal carioca Tribuna da Imprensa, se destacava na luta feroz contra Getúlio. No Palácio do Catete, sede do governo federal, a guarda pessoal de Getúlio teve a infeliz idéia de eliminar Carlos Lacerda. Esse atentado foi um desastre. Primeiro, porque o atentado em si era uma idéia absurda, indigna; depois, porque a ação foi muito mal executada, e provocou a morte do major Vaz, da Aeronáutica, que estava ao lado de Lacerda, quando este entrava em seu apartamento, na rua Toneleros, no Rio de Janeiro. Desencadeou-se uma forte indignação, e a Aeronáutica se colocou em pé de guerra. A oposição começou a acusar de corrupção os íntimos de Getúlio e o próprio presidente; Getúlio admitiu que havia um mar de lama a sua volta, ignorado por ele. Encurralado, acabou dando um tiro no peito, no trágico episódio de 24 de agosto de 1954.
O que representou para o país o suicídio de Getúlio?
O suicídio de Vargas mobilizou a população das grandes cidades – Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, para onde o corpo foi levado. Essa mobilização impediu que se efetivasse o golpe militar já tramado. Um personagem que renunciava à vida por razões políticas era talvez um acontecimento único no quadro nacional; Getúlio se converteu em mártir, correram lendas de que ele teria sido assassinado. Contribui para a construção do mito o fato de que ele deixou uma carta-testamento, acusando forças retrógradas e antinacionais de terem organizado uma terrível conspiração, e que ele escolhera a morte para não ceder. Não foi possível estabelecer um regime militar, o que era defendido por setores como a Aeronáutica; o vice-presidente, Café Filho, assumiu o poder. Ele adotou uma política favorável aos setores que haviam concorrido para o suicídio de Getúlio Vargas, e assim não houve grandes reações. O calendário eleitoral foi respeitado e realizaram-se eleições em outubro de 1955.
Como transcorreram as novas eleições?
Houve a clássica união entre o PSD e o PTB, que lançaram em conjunto a candidatura à presidência da República de Juscelino Kubitschek, ex-governador de Minas Gerais, tendo como vice-presidente João Goulart (PTB). Juscelino derrotou o general Juarez Távora, candidato da UDN, e Ademar de Barros, político de São Paulo. Foi eleito com um percentual baixo de votos (aproximadamente 36%) – nessa época não existia o processo eleitoral em dois turnos.
A posse de Juscelino foi tranqüila?
Não, entre a vitória de Juscelino e sua posse houve muitas complicações. A UDN e o setor militar, adversário do getulismo, se opuseram fortemente à posse do eleito; mais uma vez, surgiu a tentativa de interrupção do processo democrático. O vice-presidente Café Filho sofreu um ataque cardíaco e foi substituído por Carlos Luz, aliado dos chamados golpistas. Nesse momento de incerteza e risco ocorreu o chamado golpe preventivo do general Lott, em novembro de 1955, que garantiu a posse de Juscelino, em janeiro de 1956.
E depois da posse, houve estabilidade?
Um fato muito curioso na história política brasileira dos anos 50 é que o governo iniciado com tantas incertezas foi bastante estável. A cúpula das Forças Armadas e Juscelino se ajustaram, apagando, pelo menos provisoriamente, problemas do passado. Duas aventuras da Aeronáutica, os episódios de Aragarças e o de Jacareacanga, não representaram ameaça. Ao mesmo tempo, Juscelino ganhou prestígio ao implantar o programa que ficou conhecido como Plano de Metas. Por esse plano, Juscelino passou do anterior nacionalismo econômico para uma espécie de desenvolvimentismo econômico. Admitindo o papel importante do Estado e insistindo no desenvolvimento, Juscelino resolveu abrir a economia. O Estado continuou a ser muito importante, mas abriu-se espaço ao capital privado, tanto nacional quanto internacional. Isso deu origem à instalação da indústria automobilística, com o quase monopólio da Volkswagen durante muitos anos. Os anos JK apresentaram resultados econômicos impressionantes.
De onde surgiu a idéia de construir Brasília?
O Programa de Metas incluía a considerada “meta-síntese”, a criação de Brasília, que despertou grande polêmica. A UDN e Carlos Lacerda reagiram agressivamente, mas a instalação da nova capital acabou transformando em realidade um velho sonho. A Constituição de 1891 já mencionava a construção de uma cidade, no centro do país, para ser a capital. Do ponto de vista urbanístico, foi uma realização impressionante, porque não havia nada em Brasília! No cerrado do Planalto Central se ergueu uma cidade, planejada pelos arquitetos Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, uma espécie de emblema do avanço da civilização, com seus problemas, mas também com suas virtudes, no Centro-Oeste do país.
Quais foram os problemas do governo Juscelino?
Um deles foi o crescimento da inflação, provocada em parte pela própria construção de Brasília. Outro problema econômico-financeiro diz respeito àquilo que hoje se chama de vulnerabilidade externa: o país vinha tomando empréstimos no exterior e tinha de pagar os juros desses empréstimos, o chamado serviço da dívida. Para fazer isso, muitas vezes recorria a organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, instituição que reúne vários países, sendo que seu principal contribuinte são os Estados Unidos. O FMI funciona como uma espécie de banco que empresta a países em dificuldade, mediante certas condições. Na ocasião, a política interna do governo brasileiro começou a não coincidir com a do FMI: para conceder empréstimos ao Brasil, o órgão impunha certas condições que o governo brasileiro não aceitava. Isso provocou uma ruptura com o FMI já em 1959, no final do governo Juscelino, que procurava retomar seu prestígio por meio de uma tirada nacionalista. Ao anunciar a ruptura de forma espetacular, até os comunistas que estavam na ilegalidade apareceram para apoiá-lo. Mas a questão das contas externas do Brasil não se resolvia por esse caminho.
Como se deu a sucessão de Juscelino?
Um dos nomes que participou da disputa foi o general Lott, figura respeitada nos meios militares, embora fosse fraco como candidato, mesmo com o apoio da aliança PSD-PTB. Seu adversário era Jânio Quadros, uma figura atípica na vida política brasileira; foi apoiado pela UDN, que viu nessa figura contraditória uma última oportunidade de chegar ao poder pelas vias democráticas. Lembremos que a UDN fora derrotada duas vezes com a candidatura de Eduardo Gomes, depois mais uma com Juarez Távora. Apesar do populismo janista, que não se enquadrava no modelo sisudo da UDN, o partido acabou sendo o principal suporte da sua candidatura.
Quem foi Jânio Quadros?
Jânio teve uma ascensão fulgurante na vida política. Foi eleito vereador em São Paulo, chegou a prefeito e depois a governador do estado. Ele descobriu como podia render politicamente o tema da luta contra a corrupção e a favor da moralidade. A UDN insistia nesse tema, mas era demasiado fechada, sem os recursos de comunicação que Jânio sabia usar. Com o símbolo da vassoura – para varrer toda a sujeira da vida política brasileira –, o homem de caspa nos ombros, cabelos caídos na testa e óculos pesados se transformou num grande personagem político e alcançou vitória expressiva nas eleições de 1960. Mas um fato curioso marcaria a história política dos anos seguintes: o vice-presidente eleito, João Goulart, não pertencia à mesma chapa do presidente. Na época, era possível votar em um candidato de um partido para presidente e no de outro partido para vice. Era o germe de um problema que se tornou muito grave com a renúncia de Jânio Quadros.
Como foi o governo de Jânio?
Esse governo durou poucos meses. Foi o primeiro presidente a tomar posse em Brasília, e ele detestava a cidade, sentia-se sozinho e isolado ali. Mas este é apenas um detalhe; o fato é que a política de Jânio foi muito contraditória. Para começar, ele se preocupava com coisas que não eram atribuições de seu cargo: implicou com os biquínis, com a briga de galos e coisas assim. Mas seria injusto dizer que Jânio somente tratou de coisas secundárias ou pitorescas; é mais importante verificar as contradições da posição janista. No plano econômico-financeiro, ele buscou realizar uma política positiva, embora restritiva, tentando reorganizar as finanças e controlar a inflação. Ao mesmo tempo, adotou uma postura progressista no plano das relações internacionais. Por intermédio do ministro Afonso Arinos, incentivou uma política externa independente. Pretendia fazer uma política que não se aproximasse nem dos Estados Unidos nem da União Soviética e, pródigo em ações espetaculares, provocou a fúria dos conservadores ao condecorar Che Guevara, o líder guerrilheiro de Cuba, com a grã-cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul.
Que fatos explicam sua renúncia?
Em pouco tempo, Jânio ficou quase só: os nacionalistas e a esquerda não confiavam nele, apesar da política externa independente. As forças partidárias que haviam apoiado sua candidatura também se afastaram, em grande medida. Carlos Lacerda, por exemplo, acusava-o de se colocar a serviço do comunismo, devido à política externa independente. Nessas circunstâncias, Jânio imaginou uma espécie de espetáculo de renúncia. Ele esperava que, diante da renúncia, as forças políticas lhe dariam maiores poderes e mais autoridade. No fundo, a renúncia de Jânio, que se disse atacado por forças terríveis – que ele nunca esclareceu quais fossem –, teve a ver com traços da sua personalidade, mas também com uma manobra política que deu errado. Durante a campanha eleitoral, ele também renunciara à candidatura e os líderes da UDN haviam corrido em busca dele. Parecia que o expediente daria certo. Só que deu inteiramente errado. Praticamente nada aconteceu; esse gesto profundamente negativo abriu um vazio, um trauma na vida política brasileira.
Quais foram as conseqüências?
Houve uma grave crise política. O vice-presidente, João Goulart, era fortemente criticado pelos meios militares. Durante algumas semanas, teve-se a impressão de que haveria um golpe, mas chegou-se por fim a um acordo, segundo o qual se instituiu um regime parlamentarista: o presidente teria alguns poderes, mas na realidade o Parlamento governaria, por meio de um primeiro-ministro. A fórmula durou pouco; realizou-se um plebiscito no qual, por ampla votação, foi restaurado o regime político presidencialista.
Como foi o governo de João Goulart?
Os últimos tempos do governo de João Goulart talvez possam ser definidos como de populismo radical. O esquema de sustentação populista agora se apoiava numa mobilização maior, de vários setores sociais. Foram anos de greves, algumas incentivadas pelo governo, outras não, e de mobilização no campo, com a formação das Ligas Camponesas no Nordeste. Ao mesmo tempo, criaram-se novas formas de movimento sindical – o Comando Geral dos Trabalhadores, que não existia antes na estrutura sindical, apoiava Jango e teve um papel importante nas mobilizações. Nessa época, a corda social ou a corda política, para usar uma imagem, esticou-se, tendendo para os extremos.
Quem conspirava contra Jango?
Alguns queriam de qualquer maneira liquidar com a tradição vinda do getulismo; eles odiavam João Goulart, que parecia ser a encarnação da República sindicalista, um passo no caminho do comunismo. Sempre houve, desde a posse de Jango, conspiração de setores civis e militares. De outro lado, havia a mobilização e a radicalização de amplos setores da sociedade, organizados no campo e nas cidades, que acreditavam poder levar avante uma política de transformações radicais. Falava-se muito numa reforma agrária radical, na lei ou na marra, ou numa reforma urbana que facilitaria aos inquilinos se tornarem proprietários das casas de aluguel. Havia toda essa expectativa radical, gerada também pela vitória da Revolução Cubana. Uma expressão importante de tudo isso foi o movimento estudantil organizado na União Nacional dos Estudantes, a UNE, com sede no Rio de Janeiro. Nos setores conservadores, temia-se cada vez mais o alcance das medidas transformadoras do governo. Mas um dado essencial selou o destino do governo de Jango: a profunda divisão nas Forças Armadas. Aquela divisão que vinha de nacionalistas e “entreguistas” tomava aspectos cada vez mais extremos; os nacionalistas se dispunham a levar adiante as transformações e os chamados “entreguistas” convenciam-se de que não havia condições de manter o governo Jango. A partir dessa radicalização os fatos se precipitaram.
Como foi desencadeado o golpe militar de 1964?
Em março de 1964, houve no Rio de Janeiro o famoso comício da Central do Brasil, no qual Jango anunciou uma série de medidas. Aos olhos dos conservadores foi o prenúncio das chamadas reformas de base, que conduziriam o país a um rumo desconhecido. Uma classe média atemorizada promoveu então uma significativa mobilização social – por exemplo, as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, realizadas em várias cidades sob a influência do setor conservador da Igreja. A tensão chegou ao extremo quando, no Rio de Janeiro, marinheiros rebelados se juntaram aos metalúrgicos em greve, no Sindicato dos Metalúrgicos. Para setores moderados das Forças Armadas, foi um sinal de quebra total da hierarquia, que instauraria a desordem no país. Não importa se essa apreciação era ou não verdadeira, o fato é que as Forças Armadas, com poucas exceções, chegaram à conclusão de que era preciso derrubar Jango e restaurar a ordem no país, pela via de um movimento militar, que se realizou mais ou menos a frio.
Não houve reações?
Praticamente houve apenas uma tentativa de resistência, por parte de Leonel Brizola, o principal líder da ala radical do PTB, que teve até divergências com seu cunhado Jango, mais realista e disposto à conciliação. A disposição de Brizola não encontrou eco e Jango foi deposto, exilando-se no Uruguai. Sob uma aparência de normalidade, foi empossado o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. Mas, na realidade, naquele final de março e em 1º de abril de 1964 estava se instaurando o primeiro regime militar no Brasil, que duraria até o começo dos anos 80.
O golpe era inevitável?
Não é fácil responder a essa pergunta, porque de um lado os dados estruturais empurravam para a interrupção do processo democrático, mas de outro havia opções, possibilidades de tentar manter o jogo democrático, mesmo numa situação de tensões agudas. O que se pode dizer é que o golpe de 64 não teria ocorrido ou não seria inevitável se houvesse uma maior consciência da importância da democracia no Brasil. Naquele momento, os setores golpistas, civis e militares, apostaram na idéia de interrupção do processo democrático porque não tinham compromisso com a democracia. Mas houve ao mesmo tempo, em setores da esquerda e do governo Jango, a convicção de que ela era apenas um instrumento que podia ou não ser utilizado. Essa descrença no valor da democracia criou um clima favorável a soluções autoritárias e, nesse assunto, os militares golpistas evidentemente ganhavam dos civis. Houve figuras – por exemplo, San Tiago Dantas – que perceberam a importância da sustentação do regime democrático. Mas tais figuras foram atropeladas por uma maré de descrença na democracia e de crença em soluções de tipo autoritário, fosse à esquerda ou à direita

"A verdade histórica existe na medida em que a história não é uma fantasia: é feita a partir de fatos e processos sociais. Ao mesmo tempo, é objeto da interpretação do historiador. A história não apresenta uma verdade absoluta."

Qual a causa do golpe militar de 1964?
Em história, é complicado apontar causas, porque isso elimina a complexidade das explicações. Existem razões de ordem econômica e política que, entrelaçadas, explicam o movimento militar de 1964. As razões econômicas resultam de um quadro deteriorado em que a inflação chegava a quase 100% anuais, havia descontrole das contas do governo e também no setor externo da economia – e não houve êxito nas tentativas de encontrar saídas para essa situação, no final do período democrático. Do ponto de vista político, ocorreu o empate de diferentes forças que, na disputa do poder, acabaram se inibindo. Muita gente fala de paralisia do Congresso, pois ele praticamente deixou de funcionar. Ao lado disso, setores militares e civis estavam convencidos de que era preciso interromper o regime populista de João Goulart. Do outro lado, havia o comportamento do governo Jango, que, em vez de ajudar a manter o regime democrático, alimentava os setores de direita. Todos esses fatores explicam o movimento militar de 1964, assim como uma série de ações impensadas, como o comício da Central, no Rio de Janeiro, em que se anunciaram reformas sem que houvesse uma capacidade efetiva de realizá-las, e a ocupação do Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro. Em condições desse tipo, sempre ganha quem tem mais poder armado: como as Forças Armadas tendiam para o golpe, o golpe acabou saindo.
Houve participação dos Estados Unidos?
Dizer que os americanos estavam por trás do movimento militar de 1964 é simplificar demais. Trata-se de uma meia verdade. Eles estavam prontos para auxiliar os golpistas caso houvesse necessidade, até com unidades navais. Mas não foi preciso, pois o governo Goulart simplesmente ruiu, com pouca ou nenhuma resistência. Não houve intervenção americana, na realidade. Mas é evidente que os americanos estavam preocupados com o governo Jango e com a possibilidade da criação de uma imensa Cuba no Brasil - e, na retaguarda, apoiaram o golpe.
O que foram os Atos Institucionais?
Essa foi uma forma de legislar típica do regime antidemocrático, em oposição à atuação do Congresso. Na perspectiva dos militares, não havia condições de se implementar uma reestruturação do país pela via do Congresso, e então procuraram fazê-lo por meio do Poder Executivo (que eles chamavam de o poder constituinte da revolução). Os Atos Institucionais estabeleceram uma série de medidas: cassaram pessoas e mandatos de deputados, aposentaram funcionários públicos, extinguiram partidos políticos. Deixavam de lado o Congresso e emanavam da autoridade do general-presidente Castelo Branco. Eles guardavam alguma semelhança com medidas do passado, como os decretos-lei que Getúlio baixava durante o Estado Novo.
O que pretendia o governo do general Castelo Branco?
Os militares não eram um bloco homogêneo; eles se uniram pela perspectiva de derrubar o governo Goulart, mas depois disso continuaram divididos. Existia o chamado grupo da Sorbonne, mais intelectualizado, que pretendia fazer uma espécie de purificação democrática – eliminar a corrupção, os populistas, os comunistas e, feita a limpeza, reinstalar um regime democrático, baseado na ordem, com mais estabilidade. Do lado oposto estava a chamada linha dura, que acreditava na ameaça comunista e defendia total firmeza contra qualquer adversário do regime, sustentando que, para mudar o Brasil, seria preciso manter um longo período de ditadura. Castelo Branco se situava entre os homens da Sorbonne, entre os democratas conservadores e, nesse sentido, governou com a intenção de chegar o mais rápido possível à democracia conservadora, expurgando os inimigos do país. Mas, sob as pressões da linha dura, acabou cedendo.
Quem perdeu poder com o regime de 1964?
Em primeiro lugar, todas as forças do populismo trabalhista, com João Goulart à frente, tiveram de sair de cena: Brizola, da ala radical, políticos civis de prestígio, Juscelino, Jânio, a classe política perdeu com o movimento de 64. A liderança sindical trabalhista, as lideranças camponesas, as Ligas, os sindicatos rurais, os dirigentes dos sindicatos, todos foram desalojados, perseguidos e presos.
E quem ganhou com o golpe?
É difícil dizer, pois o regime militar durou muito tempo e, ao incentivar por exemplo a criação da grande empresa agrícola – que hoje chamamos agronegócio – e a constituição de grandes grupos empresariais, beneficiou esses setores. De modo geral houve estímulo ao consumo e à poupança e o reequilíbrio da economia, e isso, em última análise, favoreceu a classe média.
Qual a situação dos partidos políticos em 64?
A organização partidária mudou muito. Nos primeiros tempos, os partidos que vinham do período democrático, UDN, PSD, PTB e outros menores, continuaram a existir. Mas nas eleições estaduais de outubro de 1965, apesar de toda a coação no processo eleitoral, a oposição chegou a ganhar em alguns estados. Cresceu então a pressão da linha dura sobre Castelo Branco, sob o argumento de que, se ela fosse derrotada nas eleições, perderia força. O Ato Institucional número 2 extinguiu os partidos políticos e criou uma legislação para dificultar a formação de outros novos. Como resultado, estabeleceu-se o bipartidarismo, quer dizer, passaram a existir apenas dois partidos: a Arena, do governo, e o MDB, da oposição consentida.
Não havia oposição ao governo?
O MDB deu trabalho, não era tão consentido assim. Ulisses Guimarães e outras figuras expressivas se tornaram foco de oposição legal e, com o tempo, a estrutura do bipartidarismo se voltou, como uma espécie de bumerangue, contra o regime militar. Isso porque todas as insatisfações existentes, que cresciam cada vez mais, se concentraram no MDB. Era o partido que abrigava desde a extrema esquerda até os liberais de centro, e passou a representar uma força muito grande. Em cada eleição havia uma espécie de plebiscito pró ou contra o governo. O bipartidarismo acabou ajudando a oposição e, quase vinte anos depois, teve papel importante na abertura política.
Qual a influência da Escola Superior de Guerra?
O chamado grupo da Sorbonne, que percorreu todo o regime militar, era influenciado pela Escola Superior de Guerra, que hoje tem importância secundária, mas foi central na formulação de uma ideologia específica, não só militar como também civil, nos anos 50 e 60. A escola foi formada no Rio de Janeiro, com influência e presença de oficiais americanos e franceses. O modelo era o War College, dos Estados Unidos. Era a época da guerra fria, em que se via, de forma radicalizada, o mundo dividido em dois pólos – a União Soviética promovia o avanço da guerra revolucionária e os Estados Unidos assumiam a defesa democrática do mundo. O grupo formado pela Escola Superior de Guerra, castelista, era muito pró-Estados Unidos no plano da política externa mas, ao mesmo tempo, era de certa forma mais democrático, com uma perspectiva de não prolongar a ditadura militar. Os partidários da linha dura combinavam mais nacionalismo com repressão, com violência.
Quais eram as dificuldades do governo Castelo Branco?
A situação econômica estava deteriorada: contas externas desequilibradas, enorme déficit, inflação. Roberto Campos, que fora muito ligado a Juscelino, e Otávio Gouveia de Bulhões ocuparam o Ministério do Planejamento e o Ministério da Fazenda e tomaram uma série de medidas no plano econômico para reequilibrar o país e promover uma retomada do crescimento: segurar os salários e os gastos públicos, tornando estes últimos mais responsáveis. Ao mesmo tempo, tomaram-se medidas como a da correção monetária: gradativamente, os contratos e os salários foram indexados, quer dizer, ficaram sujeitos a uma revisão de acordo com a inflação. Era uma forma de evitar que os devedores do governo pagassem com uma moeda desvalorizada. De certo modo, esse governo introduziu uma realidade na economia e favoreceu uma poupança nacional, um dos objetivos dos militares. O Banco Central foi criado nessa época.
Foi alcançada a estabilidade da economia?
O regime autoritário facilitou a execução dessas medidas e, em grande parte, elas acabaram dando certo. Por exemplo, a implementação da política de contenção salarial foi facilitada, pois na época os sindicatos estavam amordaçados. Mas é forçoso reconhecer que, em suas grandes linhas, era uma política bem concebida; eles conseguiram de fato promover uma estabilidade da economia que, embora temporária, foi importante na evolução do regime militar.
O que houve de novo na Constituição de 1967?
Ela legalizou uma série de medidas implementadas pelos Atos Institucionais, como as eleições indiretas em todos os níveis. Em seu espírito estava a doutrina da segurança nacional, formulada durante a guerra fria. No mundo dividido entre duas forças, era preciso criar instrumentos deliberadamente autoritários, violentos, para que a segurança fosse preservada e o país não fosse contaminado pelo vírus da subversão.
Quem foi o sucessor de Castelo Branco?
O general Castelo Branco teve o mandato prorrogado contra sua vontade, mas seu grupo não conseguiu fazer o sucessor, que veio da linha dura: o general Artur da Costa e Silva. Sob muitos aspectos, ele era o oposto do grupo da Sorbonne: pouco intelectualizado, diziam que gostava mais de fazer palavras cruzadas do que de ler. Não era necessariamente “duro”: chegou a fazer pronunciamentos em favor da democratização, relacionou-se com civis moderados de oposição, mas acabou sendo uma ponte para a linha dura e o governo Médici.
O que significou o ano de 1968?
Este foi um ano muito especial no mundo inteiro. Houve um grande movimento popular na França, pela mudança não só das instituições, como também dos costumes políticos. Um dos lemas falava da imaginação no poder. No mesmo ano, e em outro contexto, aconteceram nos Estados Unidos os grandes festivais hippies de música, como Woodstock. Se não mudou o mundo, 1968 pelo menos sacudiu-o, em todos os planos, da política e também da cultura, vista como uma expressão mais ampla. Isso se refletiu no Brasil, em vários níveis, em uma explosão na cultura que pode ser resumida na frase de uma música de Caetano Veloso: “É proibido proibir”.
E no plano político?
Do ponto de vista político, o ano de 68 foi caracterizado por uma mobilização que se explica em grande medida por aquilo que já vinha ocorrendo: passado o primeiro momento do movimento militar de 64, as oposições foram se reerguendo. Isso redundou numa série de movimentos de classe média, como a famosa passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, em defesa da democratização, após a morte do estudante Edson Luiz. Houve também a retomada do movimento operário, com diferentes direções, em geral exemplificadas em dois movimentos: um em Contagem, Minas Gerais, era reivindicatório e não propriamente agressivo; outro em Osasco, São Paulo, influenciado por formas de luta que lembravam a luta armada.
O que representou o Ato Institucional número 5?
Uma verdadeira revolução dentro da revolução, ou, se quiserem, uma contra-revolução dentro da contra-revolução. Em dezembro de 1968, a edição do AI-5 restabeleceu uma série de medidas excepcionais suspensas pela Constituição de 67. Voltaram as cassações e o fechamento político e todo esse fechamento não tinha prazo, quer dizer, o AI-5 veio para ficar. Há quem diga que o AI-5 foi uma espécie de resposta ao início da luta armada, mas em 68 as ações armadas eram poucas. Ao que parece, o fator desencadeante pode ter sido a mobilização geral da sociedade brasileira em 1968 e a convicção ideológica de que qualquer abertura redundava em desordem. Então, era preciso endurecer, fechar, recorrer a poderes excepcionais para combater a subversão. Isso é o que explica o AI-5.
O que estava por trás da luta armada?
A idéia de que seria impossível derrotar a ditadura por métodos pacíficos. A partir de 1968 começaram a surgir algumas ações, mas o auge foi depois do AI-5, nos anos de 69 e 70. O AI-5 fortaleceu a idéia de que os militares não se dispunham a abandonar o poder, e ficou claro que haveria cada vez menos brechas para a oposição. Essa idéia foi influenciada na época pelo êxito da Revolução Cubana, um movimento espantoso: um pequeno grupo guerrilheiro que se estabeleceu em Sierra Maestra, foi se estendendo e acabou, nas barbas dos Estados Unidos, por derrubar o regime de Batista.
Quais foram as principais organizações de luta armada?
Uma delas era a Aliança de Libertação Nacional (ALN), cuja figura principal foi Carlos Marighella, morto pela repressão. A ALN resultou de uma cisão do Partido Comunista; foi formada em fins da década de 60, por grupos do PC, pois este rejeitava a luta armada. Houve também o MR-8, a Vanguarda Popular Revolucionária (a VPR do capitão Lamarca, que rompeu com o Exército) - essas foram as principais organizações da luta armada.
De que modo o governo militar reagiu?
A luta armada fez sua aparição realmente espetacular a partir do seqüestro do embaixador americano Elbrick, no Rio de Janeiro (narrado no livro de Fernando Gabeira, O que é isso, companheiro?). Setores oposicionistas tiveram a impressão de que os grupos de luta armada iriam desestabilizar a ditadura, mas na verdade o regime militar desencadeou uma repressão violenta, feroz, atingindo até setores da sociedade que não integravam esses grupos.
A tortura foi um instrumento político da ditadura?
Somente em 1968 a tortura se tornou sistemática em todo o país, como instrumento político. Antes disso, ela era utilizada em algumas situações, com diferenças geográficas. Em São Paulo, por exemplo, não havia tortura em 1964, mas no Nordeste, sim. Gregório Bezerra, líder comunista conhecido em Pernambuco, foi amarrado e arrastado por cavalos pelas ruas do Recife; coisas horríveis desse tipo! Em 68 se instalou a repressão sistemática. Foram criadas organizações – como a Operação Bandeirantes, em São Paulo – que usavam todo tipo de violência para quebrar a oposição, principalmente a ligada à luta armada. Começaram a surgir em maior número pessoas violentadas, sacrificadas, mortas. O regime militar apresentou sua face mais obscura.
O que o regime ganhou, torturando pessoas?
Do ponto de vista dos militares, a tortura representou um instrumento poderoso para desbaratar os grupos de luta armada, que até nem teriam muita possibilidade de avançar depois de um primeiro grande impacto, mas foram mais rapidamente quebrados com a tortura, com as pessoas sendo forçadas a se delatar umas às outras. Isso acabou tornando a luta armada um rápido e trágico episódio histórico, um equívoco de enormes proporções, por mais que a gente respeite as pessoas que se sacrificaram nessa luta.
Em qual governo militar a repressão foi mais violenta?
Quando Costa e Silva ficou doente, foi afastado do poder. Marinha, Aeronáutica e Exército elegeram, a portas fechadas, um típico representante da linha dura, o general Emílio Garrastazu Médici, do Rio Grande do Sul. O nome de Médici está associado à face mais negra da repressão, nada na história brasileira se compara a esse período, nesse sentido. Ele se beneficiou de um momento econômico extremamente favorável, quando o país cresceu a taxas extraordinárias e houve uma espécie de melhoria nas condições de vida da população. Paradoxalmente, ao mesmo tempo que estabelecia uma repressão muito violenta, atacando os setores politizados e articulados da sociedade, para o resto da população o regime de Médici era associado à prosperidade, aos tempos do “milagre econômico”.
Qual o papel dos meios de comunicação nessa política?
Havia intensa propaganda, que ressaltava os êxitos do governo no plano econômico – isso era o que mais podiam ressaltar, porque em termos políticos, em termos de presença popular, era difícil fazer propaganda. Por essa época começou o avanço da televisão como forma de comunicação no Brasil, que acabaria resultando no impacto desse veículo nos dias de hoje. Foi no governo Médici que se tornou possível estabelecer uma rede nacional de televisão. E isso foi feito pela Rede Globo, que na ocasião esteve muito colada ao regime militar, servindo como instrumento de veiculação de suas idéias. (A Globo custou, por exemplo, a perceber que o movimento das Diretas era uma manifestação popular de grande intensidade e que ela não poderia deixar de divulgá-lo e dar-lhe importância, sob pena de perder o compasso da vida política do país.)

E como foi a sucessão de Médici?
O regime militar foi relativamente estável, quer dizer, foi um condomínio que durou muito tempo, muito diferente das ditaduras argentinas, por exemplo. Somente os generais de quatro estrelas podiam chegar à presidência da República, e eram escolhidos por seus pares, a portas fechadas. O general Médici foi substituído pelo general Ernesto Geisel, indicando um fato curioso nessas sucessões: a tendência no poder não conseguia fazer seu sucessor. Aconteceu isso com Castelo, a Castelo sucedeu Costa e Silva; depois houve o interregno da morte de Costa e Silva, entrou Médici, aí houve certa continuidade, mas já o Médici, integrante da linha dura, foi substituído por Geisel, ligado ao grupo da Sorbonne, ao pessoal da Escola Superior de Guerra, ao velho grupo castelista.
Qual o papel de Geisel na abertura política?
Do ponto de vista político, o que representou o governo Geisel foi o propósito de, com muitas restrições, promover uma abertura definida por ele mesmo como lenta, gradual e segura. Ela foi lenta e gradual, mas não propriamente segura, porque ele teve de enfrentar adversários da linha dura, que praticaram atos violentos para impedir a abertura política. O próprio Geisel praticou atos repressivos, que de certa forma eram uma espécie de justificativa perante a linha dura, como se dissesse: deixem isso comigo, eu vou devagar e, quando for preciso, sei bater.
Por que ocorreu a abertura?
Não há uma causa única. Sem dúvida foi importante a mobilização popular, resultante sobretudo da insatisfação política. À medida que se tornava mais complexa, e isso tinha a ver também com o desenvolvimento econômico, a sociedade ia saindo da passividade dos tempos do “milagre”. Mas houve uma questão central no interior das Forças Armadas que levou os militares a promover a abertura. Com a repressão, haviam sido criados organismos que possuíam um “superpoder”, ou um “suprapoder”, sem respeitar a hierarquia militar; um coronel que chefiasse a Oban, por exemplo, possuía mais poderes do que a grande maioria dos generais. O Exército, que tinha como papel tradicional garantir a ordem, passava a promover a repressão. No interior das Forças Armadas, principalmente o grupo vinculado com a perspectiva de uma democracia conservadora foi levado à convicção de que era preciso, com cuidado, evitando mobilizações sociais, promover uma abertura política e reinstalar um regime democrático.
Geisel atuou contra a tortura?
Ele teve uma ação decisiva contra a tortura em São Paulo, onde duas pessoas de origem social muito diferente foram vítimas desse tipo de violência. As mortes do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho mobilizaram a sociedade: as pessoas saíram às ruas, enfrentando a dura repressão e, como Manuel Fiel era um militante católico, houve forte pressão da Igreja. Intervindo, Geisel removeu o general comandante do 2º Exército, em São Paulo. Com isso, não sem outros tropeços, a abertura política deu um salto.
Qual foi a atitude da Igreja Católica?
A partir de João XXII a Igreja se transformou muito no mundo, e especificamente no Brasil, onde sempre havia sido uma força conservadora. Surgiram figuras fortes de oposição ao regime, Dom Helder Câmara, o cardeal de Olinda e Recife, e Dom Paulo Evaristo Arns, em São Paulo, foram figuras destacadas de oposição ao regime militar. Ao lado deles, que podiam falar numa época em que todos eram obrigados a se calar, houve uma mobilização de base e uma radicalização de toda a Igreja Católica no período da ditadura.
Os trabalhadores influíram na abertura?
No fim dos anos 70, já no contexto da abertura, foi importante o surgimento do sindicalismo autônomo no ABC paulista (municípios de Santo André, São Bernardo e São Caetano). Esse sindicalismo autônomo, em que se destacaram dirigentes como Lula, o atual presidente da República, pode ser explicado em linhas sintéticas por algumas razões de estrutura empresarial. Essa região, principalmente São Bernardo, se tornou um grande centro da produção automobilística, inicialmente focada na Volkswagen. Reuniu-se aí uma massa trabalhadora que começou a estabelecer contatos e a ter uma vida sindical, ainda que clandestina; a vida das comissões de fábrica era uma experiência nova, diferente daquela de sindicatos patrocinados pelo Estado, os sindicatos oficiais do passado. A grande novidade social no fim dos anos 70 foi a explosão de movimentos grevistas, por reivindicações sobretudo salariais. A idéia de uma mobilização de base se estendeu por todo o país, mas não há dúvida de que o ABC esteve na vanguarda desse movimento.
Como se chegou à anistia?
Geisel conseguiu fazer o seu sucessor, e o último presidente militar foi o general João Batista Figueiredo. A linha dura ensaiou uma espécie de golpe contra a abertura, com a candidatura do general Frota, mas Geisel conseguiu se aliar a setores mais fortes, principalmente do Exército. O curioso é que Figueiredo, cuja missão era continuar a abertura política, era um homem que vinha do Serviço Nacional de Informações (SNI), um dos órgãos mais importantes de repressão nos tempos ditatoriais. Seja como for, no fim do período Geisel, o AI-5 acabou e a liberdade de imprensa foi restaurada; enfim, foram tomadas medidas importantes em direção ao regime democrático. Roubando de certo modo uma bandeira das oposições, Figueiredo estendeu essas medidas com a concessão da anistia. Decretou uma anistia abrangente, que acabava com as restrições às figuras políticas que tinham sido banidas – mas ao mesmo tempo estendeu essa anistia para os torturadores e os acusados de violência.
Houve resistência à abertura?
Embora os fatos fossem se sucedendo no caminho da abertura, a linha dura resistia a isso. Foram praticados atos violentos – por exemplo, uma carta-bomba enviada à sede da Ordem dos Advogados do Brasil feriu gravemente uma secretária. Outro atentado poderia ter causado um enorme desastre no Riocentro, num festival de música; mas a bomba acabou explodindo do lado de fora, na mão dos militares que a estavam conduzindo. É importante ressaltar que persistia a incerteza a respeito da volta da democracia, mas a tendência geral foi a da abertura política.
E quanto à organização partidária?
Uma das mudanças importantes ocorridas no regime Figueiredo foi o fim do bipartidarismo, uma camisa-de-força que estava se voltando contra o próprio governo. Surgiram então os partidos que, em linhas gerais, são os mesmos que conhecemos hoje. A Arena, que era o partido do governo, se transformou no PDS; o MDB colocou o nome “partido” antecedendo a sigla e formou o PMDB; Brizola voltou do exílio e registrou o PDT, como uma espécie de herdeiro das tradições do getulismo. A novidade maior foi a criação do PT, a partir do sindicalismo do ABC. Um partido importante nasceu de grupos da Arena que resolveram apoiar uma transição, formando uma oposição moderada com o nome de Frente Liberal – o conhecido PFL dos nossos dias.
O que mudou no país com o regime militar?
No plano político, as instituições democráticas desapareceram e a forma de governar e de impor uma legislação se tornou completamente diferente. Mudaram a vida do operário e o mundo rural, todas as velhas direções sindicais sumiram. Foi mantida a legislação sindical vinda do Estado Novo. Do ponto de vista econômico, apesar de terem ocorrido mudanças, pode-se dizer que foi sustentado o grande modelo, preservando a idéia do papel relevante do Estado como o centro da promoção da política econômica e do desenvolvimento nacional. Os capitais privados entraram com mais força, mudou-se a lei de remessa de lucros e reduziram-se as idéias de autarquia e protecionismo.
Qual a importância da economia mundial?
A política econômica – tanto a dos governos militares quanto a posterior – precisa ser sempre relacionada com o contexto financeiro internacional. Até os anos 70, mais ou menos, os países que hoje chamamos de emergentes dependeram muito de capitais públicos. Em primeiro lugar, os do governo americano: a Aliança para o Progresso era uma forma de financiamento, o FMI era outra etc. A partir dos anos 70, os emergentes – o Brasil e os demais – passaram a dispor de capitais privados particulares, os chamados petrodólares, dólares derivados dos grandes lucros obtidos com a exploração do petróleo, especialmente no Oriente Médio. Houve um lado positivo, porque o desenvolvimento brasileiro daquela época se baseou em boa parte nesses recursos externos. Mas, ao mesmo tempo, se criou um problema sério, pois os países emergentes se endividaram, e começaram a se agravar os problemas da dívida externa, do pagamento dos juros, do déficit externo. Essa torneira foi aberta nos anos 70 e fechada nos 80, sob novas condições econômicas mundiais, criando um constrangimento para os países emergentes. Então, toda vez que se fala de economia dos anos 70, do “milagre” etc., é preciso levar em conta um quadro que abrange as relações mundiais e as relações específicas das grandes potências com os países chamados emergentes, como Brasil, Argentina, Índia etc.
Como tais recursos foram utilizados no Brasil?
O regime militar, em vários momentos, foi associado à idéia da construção de um Brasil que estivesse entre os grandes do mundo, estabelecendo comparações com o Japão da época. Mas era uma fantasia. Dispondo dos capitais privados internacionais, ele empenhou-se em vários empreendimentos inexeqüíveis, ou que foram verdadeiros fracassos, como a Ferrovia do Aço e a Transamazônica. Mas realizou algumas coisas importantes, como Itaipu. De modo geral, os empréstimos conseguidos não foram desbaratados, e nisso o governo brasileiro se diferenciou da Argentina, onde muitos recursos foram canalizados para a especulação financeira.
O regime militar era mesmo uma ditadura?
Essa ditadura teve características curiosas, como a possibilidade de uma democracia, do ponto de vista ideológico. Poucos setores defendiam-na como o melhor regime para o país. Estava sempre presente a idéia de que em algum momento seria preciso retomar as instituições democráticas. O Congresso foi fechado por períodos curtos; apesar das cassações e do controle estrito do governo militar, era uma tribuna para a oposição, espécie de válvula para deixar escapar algo da panela de pressão do governo militar. As eleições eram controladas, o presidente da República era imposto, as dissidências eram reprimidas com violência, não havia liberdade de expressão, havia censura; só essa enumeração permite dizer: era uma ditadura. Mas essa ditadura tinha traços particulares.
E a questão do exílio?
A repressão militar originou um fenômeno que não era propriamente novo na história do Brasil, mas que alcançou então proporções muito maiores: o exílio. Algumas pessoas foram obrigadas a sair, outras partiram por se sentir ameaçadas, e se formou uma verdadeira comunidade de brasileiros no exterior. Muitos se tornaram até mais importantes como figuras públicas depois do exílio. Uma série de pesquisas revela que essa comunidade brasileira era a que mais desejava voltar, em comparação com as demais comunidades de exilados. O retorno de personalidades e intelectuais foi um momento de alegria na vida política, com a reintegração a um Brasil que ia se abrindo para a democracia.
O que foi o movimento das Diretas Já?
Um dos movimentos sociopolíticos mais importantes dos anos 80, durante o processo da abertura, defendia eleições diretas para a presidência da República e mobilizou a população de forma impressionante. Milhões de pessoas saíram às ruas, especialmente nas capitais do país. Apesar da ilusão de que uma eleição direta resolveria todos os problemas, a mobilização foi extremamente importante. Mas como não conseguiu ser aprovada no Congresso, por falta de quorum, gerou uma grande frustração. O processo de eleições indiretas, por sua vez, originou uma crise no governo militar. Alguns setores da Arena receberam mal a indicação de Paulo Maluf como candidato indireto, conscientes de que chegara a hora de estabelecer uma ponte com a oposição moderada. Foi então feita uma aliança em torno da candidatura de Tancredo Neves, que saiu vitorioso.
O que se esperava de Tancredo Neves?
Tancredo era um homem equilibrado, típico político mineiro, conservador, fora ministro da Justiça de Getúlio; como político experiente, talvez tivesse equilibrado a vida política brasileira nessa primeira fase de retomada do regime democrático. O fato é que, nesse caso, aconteceu uma tragédia pessoal que teve dimensões históricas. Infelizmente, Tancredo ficou doente e acabou morrendo. Não chegou a tomar posse, e o vice-presidente José Sarney, uma figura que vinha do regime militar, foi quem subiu a rampa do Palácio do Planalto. O nome de Tancredo ficou lembrado também pelas manifestações de dor que ocorreram em todo o país, desde os dias em que permaneceu no hospital até seu corpo ser conduzido a São João Del Rey, onde foi enterrado.

"É possível fazer a história do presente ou do quase presente, isto é, de fatos que aconteceram há pouco tempo. É a chamada história imediata. Com ela, o historiador se aproxima do jornalismo. A história imediata é influenciada pelas opiniões e pelas experiências de vida do historiador."

Como foi vista a posse do vice José Sarney?
Ele assumiu em meio a muita desconfiança, pois era bem diferente do presidente eleito. Embora moderado, Tancredo era um nítido adversário do regime autoritário. Sarney rompera com a Arena havia pouco tempo. E como o regime democrático estava dando seus primeiros passos, receava-se que o autoritarismo permanecesse disfarçado, ou até que ocorresse um retrocesso político. Sarney manteve o SNI, o Serviço Nacional de Informações, um órgão que vinha da ditadura, considerando-o adaptável a outro contexto, e isso trouxe críticas. Mas na verdade seu governo acabou garantindo um clima de liberdades democráticas.
O que marcou a política econômica?
Problemas que já existiam antes – descontrole financeiro, inflação enorme, déficit público – custaram ao governo uma grande queda de popularidade. Foi instituído então o Plano Cruzado, com uma nova moeda, como tentativa de reequilibrar a economia e, ao mesmo tempo, restaurar o prestígio de Sarney. Mas as medidas tomadas – aumento de salários e congelamento de preços – se revelaram equivocadas. Ocorreu um transitório momento de euforia, com uma corrida aos bens de consumo, mas a forte demanda abalou o congelamento – a inflação retornaria, com o fracasso do Plano Cruzado. Mas isso não estava ainda claro para a população no final de 1986, por ocasião das eleições: o PMDB conseguiu enorme êxito capitalizando o prestígio do Plano Cruzado. Alguns diziam que poderíamos estar embarcando numa espécie de monopólio do poder pelo PMDB, a exemplo do que ocorria no México com o PRI. Hoje sabemos que isso não aconteceu, pois o PMDB se dividiu e se complicou internamente.
O governo Sarney deu calote na dívida externa?
O final do governo Sarney foi melancólico. O Brasil decretou moratória, quer dizer, deixou de pagar a dívida externa. Ao contrário do que muita gente pensa, isso representou um sério golpe nas finanças do país; foi preciso muito tempo para restaurar o crédito no exterior e se livrar das conseqüências da moratória.
E o que dizer da Constituição de 1988?
A Constituição de 1988 surgiu após longos debates numa Assembléia Constituinte em que o PMDB tinha uma forte bancada, e resultou em um texto controvertido. Como aspecto positivo, há a garantia dos direitos dos cidadãos – por exemplo, o direito de obter informações nos órgãos do Estado, o direito das minorias, dos índios –, como nunca existiu no passado. Do lado negativo há o fato de ter sido aprovada em um clima nacionalista, dificultando reformas econômicas necessárias, e também seu detalhamento excessivo, entrando em questões que não são do âmbito constitucional. Isso aconteceu porque no Brasil não se acredita, ou não se acreditava, que as leis vão ser executadas; assim, os constituintes quiseram pôr na Constituição tudo que se considerasse justo.
Afinal, o que vem a ser uma democracia?
Existe um consenso básico a respeito do que seja democracia: é o regime em que aqueles que dirigem a nação recebem, por meio da eleição, um mandato popular. A idéia de que a soberania reside no povo e é ele quem elege seus representantes distingue a democracia de qualquer regime autoritário, totalitário. Ela também significa a garantia da livre expressão das idéias – não existe democracia onde existe, por exemplo, censura à imprensa. Inclui ainda deveres dos cidadãos, há uma responsabilidade com relação à sociedade e limites que não podem ser ultrapassados. A discussão maior consiste em saber se os aspectos sociais se incluem na definição de democracia. Há quem estenda o conceito e diga: não, democracia sem igualdade, sem maior acesso da população a todos os direitos de educação, saúde etc. não chega a ser democracia.
Como ficou o quadro partidário após a redemocratização?
A principal mudança foi a cisão no PMDB, devido à insatisfação de alguns de seus membros (Montoro, Covas, Fernando Henrique, entre outros) com os rumos que o partido estava tomando. Formou-se o PSDB, Partido da Social Democracia Brasileira. Ocorreram outras alterações que correspondem mais a mudanças de nome do que a outra coisa.
Como foi a sucessão de Sarney?
A disputa se concentrou, no segundo turno, entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor. Lula vinha do movimento de luta dos trabalhadores do ABC, tinha sido um importante líder sindical e era o grande nome do PT. Sua figura contrastava com a de Collor, homem da elite mas sem apoio de um grande partido, que utilizou com eficácia o marketing e temas de moralização. Afirmava, por exemplo, que iria combater os altos vencimentos de um setor do funcionalismo público, que qualificava como “marajás”, e com isso iludiu muita gente. Com trunfos desse tipo e o apoio da mídia mais poderosa, acabou se elegendo presidente da República.
Como se iniciou o governo Collor?
A inflação estava num nível insuportável, a economia, totalmente desorganizada, e era crença geral que ele iria mexer nesse quadro. E o que ele tentou foi de uma ousadia imensa: o seqüestro, ou, para sermos mais benevolentes, o congelamento dos depósitos bancários, abrangendo a poupança e outras formas de investimento. O Plano Collor provocou um choque na população. Houve queda pronunciada da inflação, mas logo ficou claro que não era um plano milagroso e conduziu o país a dificuldades ainda maiores. Além disso, a mídia começou a desvendar o alto grau de corrupção instalado no governo, mobilizando a população contra isso. Surgiu o movimento dos “caras-pintadas”, integrado principalmente por estudantes de classe média, e o pedido de impeachment do presidente foi aprovado pelo Congresso.
Qual a lição a ser tirada do impeachment de Collor?
Tiramos do impeachment uma imensa e positiva lição, que nos leva a um otimismo razoável sobre a vida política brasileira. Foi um episódio de substituição de um presidente da República pela via legal, sem golpe militar, sem manobra palaciana, uma coisa excepcional no quadro da América Latina. Sem negar o vulto da corrupção, personificada na figura de PC Farias, é preciso levar em conta que o impeachment foi facilitado pelo fato de Collor não ter sustentação nas grandes elites do país. Ele acabou isolado, com seu estilo olímpico, julgando-se acima de críticas. O impeachment de Collor foi antecedido por uma grande mobilização social nas maiores cidades do país. Mas é preciso considerar que o movimento das Diretas Já foi bem mais amplo, abrangendo praticamente o conjunto da população.
Como foi a sucessão de Collor?
Mais uma vez um vice-presidente assumiu o poder. Neste caso, não houve a morte de um presidente, como no mandato de Sarney, mas um impeachment, inédito na vida política do país. Itamar Franco vinha dos quadros do velho MDB mineiro e encontrara uma chance de escalar a política ao se candidatar a vice de Collor. Fez um governo de transição e implantou a URV (Unidade Real de Valor), um passo absolutamente necessário para instituir o Plano Real. Em minha opinião, essa medida e a escolha de Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda foram os méritos do governo Itamar.

Como foi a eleição de 1994?
A disputa pela presidência da República se deu essencialmente entre Lula, do PT, e Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. O caminho transitado por Fernando Henrique é excepcional na vida política de qualquer país, pois ele passou da esfera intelectual para a política. A formação de uma frente partidária, inicialmente PSDB/PFL/PTB, foi muito importante para garantir seu êxito eleitoral e também a chamada governabilidade, ao assumir o poder após a vitória no primeiro turno. Sua candidatura também foi beneficiada pela instituição da URV e pelo Plano Real.

O que caracterizou o Plano Real?
O Plano Real foi muito diferente dos planos anteriores, em primeiro lugar por acabar com a indexação da economia – um ciclo no qual à medida que aumentavam os preços eram elevados os salários, gerando novos aumentos de preço, e por aí vai. Evitou-se o congelamento de preços, experiência que se revelara negativa no Plano Cruzado – embora fosse uma medida popular, o congelamento acabava redundando em escassez de alimentos e em inflação. Houve também a introdução da nova moeda, o real, que ganhou credibilidade. Apesar dos problemas e dos ajustes, seu êxito é inegável.
Qual era o panorama mundial da época?
Na esfera mundial, um dos acontecimentos mais importantes foi a queda do Muro de Berlim, que simbolizou o fim da União Soviética e de seu sistema. Com isso, terminou também a guerra fria, que dividia o mundo em dois campos. Abriam-se os tempos da plena hegemonia americana, com sensível alteração nas relações internacionais.
O que é globalização?
Do ponto de vista econômico-financeiro, esse fenômeno está presente já a partir da década de 80. Trata-se de uma interpenetração de relações econômicas e financeiras, com dimensão planetária, em que os Estados Unidos figuram como pólo dominante. A globalização tem aspectos positivos – o intercâmbio comercial e cultural entre as nações é em si mesmo um fator desejável – e riscos reais. Por outro lado, se não houver medidas no sentido de limitá-la ou regulamentá-la, ela tende a acentuar a desigualdade entre países ricos e pobres. É um fenômeno complexo, um processo estrutural de modificações no interior do capitalismo, não se pode dizer que representa uma “armação”. A globalização veio para ficar, e é preciso uma regulação internacional para pôr limites aos excessos e permitir a distribuição menos desigual dos benefícios.
A globalização definiu novos blocos econômicos?
Com o novo quadro das relações internacionais advindo da globalização, mostrou-se necessário unir países, às vezes até abrindo mão de certos aspectos da soberania nacional. O exemplo mais relevante foi a formação da Comunidade Econômica Européia, hoje União Européia. Outro exemplo é a entre Brasil e Argentina, com a adesão do Paraguai e do Uruguai, para constituir o Mercado Comum do Sul, o Mercosul. O mérito dessa iniciativa deve ser atribuído ao ex-presidente Sarney, que tomou as primeiras medidas no sentido de formação do Mercosul, do lado brasileiro, com a colaboração de Raúl Alfonsin, então presidente argentino.
O Mercosul deu resultados?
O Mercosul avançou sob muitos aspectos, emperrou sob outros. Mas fez o comércio entre Brasil e Argentina se expandir extraordinariamente e pôs fim a uma velha rivalidade, que não tinha razão de ser. Sua implantação se revelou difícil, por exemplo, na questão da tarifa externa comum – o estabelecimento de um imposto comum para os produtos importados na área do Mercosul. Outra dificuldade está na adoção de regimes diversos de câmbio. Apesar de tudo, da atual crise na Argentina, talvez o Mercosul seja um destino histórico dos países que o integram.
Que repercussões o quadro financeiro internacional teve no Brasil?
Os desequilíbrios financeiros afetaram e afetam a performance do governo brasileiro e de outros países. No início do governo Fernando Henrique houve a crise mexicana, que forçou o governo brasileiro a tomar medidas defensivas dolorosas – por exemplo, a elevação das taxas de juros. Mais tarde veio a crise asiática, de 1997; a crise russa pós-comunismo, que resultou numa moratória, em 1998; e por fim a crise argentina. É preciso lembrar que o governo de Fernando Henrique ocupou dois mandatos (após ter sido aprovada uma alteração da Constituição autorizando a reeleição) e que nos últimos oito anos teve de navegar em águas perigosas diante de um quadro financeiro internacional instável, que golpeou vários países emergentes.
E quanto ao papel do Estado?
A partir dos anos 80 ocorreu em quase todos os países uma crise das funções tradicionais do Estado. No Brasil, tratava-se da crise de um modelo econômico implantado ainda na década de 30, no qual o Estado era produtor e incentivador de áreas importantes, por meio de subsídios, empréstimos favorecidos etc. Esse papel do Estado entrou em crise diante de sua incapacidade financeira e gerencial para atender a necessidades cada vez mais complexas. Assim, abriu-se caminho para as privatizações, fazendo com que o Estado passasse de produtor a regulador das atividades econômicas.
Que tipo de privatização ocorreu?
As privatizações começaram timidamente no governo Sarney, avançaram algo no governo Collor, mas foi no governo Fernando Henrique que ganharam força – nos setores do aço, da distribuição de energia e das telecomunicações. A Petrobras não foi privatizada, mas houve a quebra do monopólio estatal do petróleo, admitindo-se a concorrência de outras empresas.
Quais as medidas econômicas mais significativas no governo Fernando Henrique?
Ocorreram em geral avanços importantes no governo Fernando Henrique, no sentido de garantir a estabilidade da moeda e estabelecer a chamada responsabilidade fiscal, a partir do princípio de que não pode haver despesa sem a correspondente receita. Houve também um ganho considerável no controle da inflação, que representa uma espécie de imposto atingindo os mais pobres. As privatizações funcionaram melhor em alguns casos, pior em outros, mas seu balanço em certas áreas de serviços foi benéfico para o consumidor. Sem ignorar as tarifas elevadas, o telefone ficou ao alcance do povo, deixando de ser mercadoria de luxo, objeto de especulação. Coroando tudo isso, o governo Fernando Henrique concorreu para a consolidação das instituições democráticas, como se viu nas eleições de outubro de 2002 e na fase de transição após a vitória de Lula.
Qual a realidade do país que terá Lula como presidente?
Apesar dos avanços na área da educação e da saúde, as carências de parte ponderável da população brasileira são enormes e a distribuição da renda, após anos de melhoria, acabou regredindo. O governo Fernando Henrique marcou passo na área da segurança, no enfrentamento da violência, do narcotráfico (mesmo considerando que parte da competência para tratar desses problemas é dos governos estaduais). Nesses aspectos estamos chegando a uma situação-limite, muito angustiante. Também vivemos um quadro de desemprego para o qual não há solução fácil. Apesar dos pesares, governo e oposição avançaram muito, seja no respeito às instituições, seja no reconhecimento de princípios básicos na área econômica. Eleito presidente com uma significativa vitória, Lula e o setor majoritário do PT vêm demonstrando a compreensão de que a estabilidade da moeda, a responsabilidade fiscal e a luta contra a inflação não são objetivos deste ou daquele governo, e sim objetivos nacionais que devem ser assegurados por quem quer que detenha legitimamente o poder. Esperemos que, sem passes de mágica e evitando a tentação populista, o novo governo possa trilhar o caminho de maior justiça social e da redução da violência, pois o povo brasileiro bem merece isso.

Boris Fausto- Professor da USP