quinta-feira, 21 de maio de 2009

História da Paraíba - Colônia‏

EUROPEUS BUSCAM NOVAS TERRAS E MERCADOS

Eliete de Queiroz Gurjão

Começaremos a estudar a História da Paraíba a partir da chegada dos europeus, do início da conquista do território dos nativos, nos primórdios do século XVI, quando começa o chamado período colonial.

Porém, para entendermos nossa história da fase colonial precisamos saber algumas coisas sobre os europeus, principalmente sobre os portugueses. Afinal, como estava a Europa no século XV e XVI (quando se iniciou a colonização)? E Portugal? Que importância tinha dentro da Europa? O que os portugueses vieram fazer aqui? O que é que eles queriam?

Tudo começou no século XV com a ganância dos europeus em busca de riquezas. A Europa vinha desenvolvendo o comércio, era esta a atividade, agora, mais importante para o enriquecimento da burguesia e para o fortalecimento dos governos e, portanto, do poder dos países europeus. Mas, havia sérios problemas para que esse comércio continuasse crescendo. Faltavam mercadorias, metais preciosos (utilizado para cunhar moedas), terras férteis e pessoas em quantidade suficiente para trabalhar e produzir mercadorias.

No século XIV a Europa sofreu grandes perdas de sua produção agrícola, em decorrência de condições climáticas desfavoráveis, provocando escassez de alimentos e, por conta disso, fome, desnutrição e morte. Enfraquecida pela fome, grande parte da população foi atingida pela Peste Negra, uma epidemia trazida do oriente através de um navio com pessoas contaminadas. Os bairros mais pobres das cidades foram mais atingidos, devido à desnutrição de seus moradores e as precárias condições de higiene. Cerca de um terço da população européia morreu devido a Peste Negra; reduzindo, assim a mão-de-obra.

A série de problemas que atingia a Europa no século XIV prolongou-se até a primeira metade do século XV. Tratou-se, na realidade, de uma verdadeira crise econômica que abalou de tal forma a Europa provocando conseqüências em todos os aspectos da sua vida. Os europeus tiveram, então, de procurar soluções para tal crise, e, coube à burguesia associada aos governos dos países, a busca de novas condições para a retomada do crescimento econômico.

Qual a solução encontrada? Como fazer para que a Europa continuasse se desenvolvendo?

Ora, o comércio já era considerado a atividade que dava mais lucros. Então se fazia necessário, sobretudo, dispor de mercadorias, de produtos que fossem facilmente vendidos. Como conseguir estas mercadorias, se a Europa em crise não tinha condições de produzi-los?

Certo, diziam alguns europeus mais ousados. Mas o mundo é tão grande! Tantas e tantas terras existem fora da Europa! Terras já conhecidas, como a Índia, China e Japão chamadas na época de Índias; que forneciam produtos variados à Europa, tais como pimenta, sal, açúcar, canela, tapetes, sedas, etc. (as especiarias). Só que, ainda existiam terras e mais terras desconhecidas, que os europeus sonhavam encontrar e, o mais importante, retirar delas produtos valiosos, tais como ouro e prata.

Assim, movidos pelo interesse em dispor de mercadorias em grande quantidade, e de grande valor comercial, é que os europeus se lançaram no mar-oceano, em águas nunca antes navegadas, enfrentando todos os riscos do desconhecido, em viagens consideradas, até então, por muitos, impossíveis de serem realizadas.

O comércio com o Oriente dava grandes lucros. As especiarias eram procuradas em larga escala. Porém esse comércio era controlado pelos italianos (genoveses e venezianos), que atuavam como intermediários entre os fornecedores do Oriente e comerciantes de toda a Europa, monopolizando, portanto, a distribuição dos produtos e impondo altos preços.

Os italianos recebiam as especiarias do Oriente, principalmente no porto de Constantinopla e navegando pelo Mar Mediterrâneo as revendiam na Europa. Os demais comerciantes da Europa ficavam, assim, submetidos aos italianos, tendo que aceitar os preços absurdos que esses cobravam. Setores da burguesia européia trataram, então, de planejar a busca de um novo caminho para as Índias, uma nova rota que não passasse pelo Mar Mediterrâneo. Era necessário, portanto, navegar pelo Oceano Atlântico, viagem considerada por muitos super arriscada.

Aconteceu, de repente, que esse comércio, mesmo controlado pelos italianos, não podia mais continuar, Constantinopla foi invadida pelos turcos que impediram o comércio dos italianos neste porto. Tratava-se, agora, necessariamente, de procurar um novo caminho em direção às Índias, para que o comércio com o Oriente continuasse.

Com esse objetivo, o rei de Portugal logo se organizou e, apoiado por comerciantes, investiu todos os recursos na arte da navegação, possibilitando, assim, a Portugal ser o primeiro país a descobrir a nova rota e fazer o comércio diretamente com as Índias.

Estavam, assim, os portugueses dedicados a esse comércio, quando chegaram ao Brasil. Aqui chegando, procuraram ver quais riquezas nossa terra poderia fornecer. Ansiavam encontrar ouro, prata, metais preciosos, enfim! Neste sentido logo tomaram posse da nova terra, como se ela não tivesse dono! Os donos da terra? Ah! Os Índios? Os índios eram considerados pelos portugueses como selvagens, ignorantes. Eram apenas seres exóticos, mais animais que homens; portanto, não tinham a menor importância, a não ser como mão-de-obra, como trabalhadores, para extrair riquezas da terra e entregá-las aos portugueses.

A terra do Brasil, a terra de Santa Cruz, conforme D. Manuel Rei de Portugal a denominou, era dos portugueses. Era “legalmente” dos portugueses, garantida pelo tratado que assinaram com a Espanha.

Pois é! Antes dos portugueses “descobrirem” o Brasil já eram seus donos! Isto porque já havia um acordo com os espanhóis que também navegaram por estas “bandas”. Acordo este, chamado de Tratado de Tordesilhas, que dividia terras conhecidas e terras ainda não conhecidas, mas que tinham idéia de existir, garantindo a Portugal, dessa forma, a posse do Brasil antes mesmo de conhecê-lo.

Para os portugueses, contudo, o Brasil não pareceu muito atraente. Não tiveram notícias da existência de minas de ouro e prata! O único produto encontrado que tinha valor comercial era o pau-brasil. Assim sendo, arrendaram a exploração da madeira (procurada na Europa para a tintura) a um grupo de comerciantes e continuaram se dedicando ao comércio com as Índias. Durante trinta anos não se preocuparam com o Brasil.

Mas, se para os portugueses o Brasil não era tão atraente, para os franceses era. Interessados no comércio do pau-brasil freqüentemente chegaram aqui, e, através de um relacionamento amistoso com os índios, conseguiram que estes trabalhassem para eles na extração da madeira e seu carregamento para o embarque. Em troca, os franceses forneciam para os índios objetos variados que eram aceitos alegremente.

Além de fazerem a extração do pau-brasil os franceses davam amostras de que se interessavam também pelas terras do Brasil. O rei da França, Francisco I, chegou a dizer que desconhecia o direito de Portugal sobre nosso território, fazendo inclusive, gozação sobre o Tratado de Tordesilhas. Dizia ele, somente reconhecer o domínio português sobre o Brasil se lhes mostrassem o Testamento de Adão dividindo terras entre Portugal e Espanha!

Mediante a ameaça dos franceses, temendo que estes se apoderassem do Brasil, os portugueses resolveram colonizá-lo. Ou seja, ocupar a terra, povoar, garantindo assim o domínio português.

Mas, para ocupar efetivamente o território brasileiro, garantindo sua posse, havia dois problemas: não tinham dinheiro para as despesas necessárias à ocupação de uma área tão extensa e, por outro lado, o Brasil não apresentava riquezas que dessem lucros imediatos para cobrir tais despesas.

Qual a solução, então? Como fazer para ocupar a terra e garantir a posse sem gastar? Ainda por cima, a colonização teria de dar lucros: muitos lucros à coroa e comerciantes portugueses; pois, estes precisavam de recursos abundantes para cobrir as despesas enormes que estavam tendo na manutenção do comércio com as Índias. Ora, para os portugueses esta era a questão fundamental. O Brasil, afinal de contas, era colônia de Portugal tendo, portanto, a obrigação de dar lucros à sua Metrópole.

A solução encontrada por Portugal foi através do sistema de Capitanias Hereditárias. Dividiram o território brasileiro em 14 faixas lineares denominadas Capitanias. Estas foram entregues a 12 donatários, portugueses, pertencentes à pequena nobreza, que, apesar dos amplos poderes recebidos (tinham poder na capitania como se fossem reis), não se entusiasmaram muito, uma vez que alguns sequer vieram ao Brasil.

Com o sistema de capitanias, Portugal adota no Brasil a prática da doação de terras que, por muito tempo, constituiu a forma de aquisição de propriedades. Por este sistema, o donatário, era na realidade, o administrador da capitania, tendo também poderes judiciários e políticos, e não seu proprietário. Ele recebia como doação 10 léguas de terra ao longo da costa, dividida em quatro ou cinco lotes, livre de qualquer tributo, exceto o dízimo.

O donatário distribuía a terra em lotes, chamados de sesmarias, que eram doadas para pessoas que tivessem recursos, que implantassem uma produção, sobretudo de cana-de-açúcar, por ser lucrativa para Portugal.

Assim, a partir das sesmarias se originaram os latifúndios da zona da mata do Nordeste, que ainda hoje dominam a zona açucareira e, mais adiante, com a doação das sesmarias no interior, surgiram os latifúndios do sertão e agreste.

Apesar de a terra ser gratuita, uma vez que era doada, o sistema de sesmarias limitou a propriedade da terra a uma minoria de pessoas que dispunham de recursos, elitizando, portanto, o acesso à terra.

Fica claro, portanto, que esta estrutura fundiária injusta que temos hoje, através da qual a maioria das terras encontra-se nas mãos de uma minoria de proprietários é produto da nossa história, da forma como as terras foram ocupadas inicialmente. Mas, ao mesmo tempo é necessário lembrar que a manutenção e, melhor dizendo, o aumento da concentração de terras ao longo do tempo é resultado do poder político e econômico da elite proprietária, que até hoje faz prevalecer seus interesses.


O ENCONTRO DE “DOIS MUNDOS”: DA PRÉ-HISTÓRIA À CHEGADA DOS EUROPEUS

Eliete de Queiroz Gurjão

Todos sabemos que o território paraibano e o de toda a América, antes da chegada dos europeus, era habitado por povos diversos que foram denominados de índios. Neste estudo, quando nos referirmos a estes povos empregaremos, também, os termos nativos e aborígines.

Desde quando os nativos habitavam a Paraíba? Como eram eles? Como viviam?Estas e outras questões são difíceis de responder. Tal fato se justifica pelo menosprezo do colonizador para com eles, que os consideravam como selvagens quase animais e indignos de qualquer preocupação que não fosse a catequese. Assim, as informações sobre eles são reduzidas aos escritos deixados por cronistas e documentos oficiais.

Porém, atualmente, vários estudos contribuem para que conheçamos um pouco mais sobre a população nativa. Segundo as pesquisas arqueológicas mais recentes realizadas no sertão da Paraíba, há 7000 anos atrás esta área já era habitada. O homem primitivo que nela vivia habitava em rochas, nas proximidades de cursos de água, onde deixou marcas definitivas de sua presença e indicativas de seu cotidiano, seus mitos e crenças nas chamadas inscrições rupestres. Sobreviviam da caça e da coleta de frutos; abatiam mamíferos de grande porte, tais como o tigre dente-de-sabre , o mastodonte, paleolomas, preguiças e tatus gigantes, cujos restos ainda são encontrados no fundo de lagoas (chamados tanques ).

A pesquisadora Gabriela Martim, além das informações acima, chama a atenção para a importância dos sítios arqueológicos encontrados no interior do Nordeste e ressalta a riqueza de sua arte rupestre:

Nos sertões do Nordeste do Brasil , desenvolveu-se uma arte rupestre pré-histórica das mais ricas e expressivas do mundo, demonstrando a capacidade de adaptação de numerosos grupos humanos que povoaram a região desde épocas que remontam ao Pleistoceno final. Essas representações vêm sendo reunidas num grande corpus sob a definição de tradição Nordeste de pintura rupestre (...)

Podemos supor que o centro de dispersão da tradição Nordeste , seja o sudeste do Piauí, na área do Parque Nacional da Serra da Capivara (...) expandindo-se, posteriormente por outras áreas do Nordeste, especialmente na região do Seridó paraibano e potiguar e pelo alto curso da bacia do Açu-Piranhas...” (MARTIM, 1999: 37/38, grifos nossos)

A citada professora acrescenta que já se dispõe de muitos registros da arte rupestre da Paraíba, em vários municípios: Pedra Lavrada, Araruna, Queimadas, Vieirópolis, Cabaceiras, São João do Cariri, Serra Branca, São Mamede, além de outros que estão sendo pesquisados e o município de Ingá, onde encontra-se

“(...) a mais famosa gravura rupestre do Brasil, muito admirada pela riqueza e complexidade de seus grafismos (...) um enorme bloco de 24 metros de largura por três metros de altura (...) Nenhuma inscrição rupestre do Brasil foi assunto de tanto interesse para eruditos e estudiosos como a notável Itaquatiara do Ingá. A beleza e a complexidade dos seus grafismos, foi também um enorme atrativo para charlatões e inventores de falsos significados , com origens longínquas, sejam elas européias, orientais ou transpacíficas, pretendendo tirar o mérito e o reconhecimento da obra dos nossos imaginativos e laboriosos indígenas nordestinos (...)

(...) Essas gravuras seriam obra de grupos étnicos pré-históricos que rendiam culto às águas e que se espalharam, também, por Pernambuco e pelo Rio Grande do Norte.” ( IDEM: 39 , grifos nossos)

Portanto, a Paraíba dispõe ainda de verdadeiras relíquias arqueológicas que precisam urgentemente de preservação. Grupos de pesquisadores locais vêm trabalhando seriamente estudando-as; como resultado temos o cadastramento de vários sítios arqueológicos, cuja sobrevivência, todavia, depende dos cuidados de toda uma coletividade devidamente informada e esclarecida.

Sabemos que o preconceito contra o aborígine manifesta-se, ainda hoje, de diversas formas. Idéias estereotipadas são reproduzidas continuamente por toda a parte: “selvagem”, “bárbaro”, “preguiçoso” , “ sujo” , “ignorante” , são os adjetivos mais utilizados para caracterizá-lo. Levando em conta que tal fato constitui uma herança deixada pelo colonizador e reproduzida até hoje, dá , até certo ponto, para aceitarmos que pessoas menos informadas fiquem repetindo essas idéias pré-concebidas . Porém, é revoltante que pretensos estudiosos venham pesquisar inscrições rupestres aqui encontradas e, considerando de antemão nossos nativos absolutamente incapazes, atribuam a autoria da arte rupestre aqui encontrada a “povos superiores” vindos de outras plagas; como ocorre com as teses sobre a Itaquatiara do Ingá.

Essa forma de caracterizar o homem nativo, como sabemos, foi iniciada pelos primeiros europeus aqui chegados. Ora, quando o homem branco aqui chegou, ocorreu, na realidade, o encontro de “dois mundos”. Encontraram-se frente a frente, dois povos de mentalidades totalmente diferentes. Nossos nativos encontravam-se na chamada Idade da Pedra, em sua fase mais avançada, conhecida como Neolítico. Enquanto isto, o europeu encontrava-se em um estágio culturalmente mais avançado, em um período de transição conhecido como o início dos Tempos Modernos, em cujos desdobramentos forjou-se uma nova cosmovisão.

Não se tratava, como pensava o europeu, de um povo atrasado, o aborígine, e ele adiantado, e sim de duas formas diferentes de ser, pensar e agir; de acordo com seu estágio cultural e cosmovisão. Cada um via o mundo com suas próprias lentes. Era como se cada qual usasse um tipo de lente própria, exclusiva, que o outro jamais experimentou e com a qual não enxergava. Assim, o europeu espantava-se com o modo de vida do índio, seus costumes e crenças, estranhos ao seu olhar, conforme pode-se perceber no trecho que se segue; em que o cronista Pero de Magalhães Gandavo ( séc XVI )comenta que a língua dos índios:

“(...) carece de tres letras, convem a saber, nam se acha nella F nem L, nem R, cousa digna despanto porque assi nam têm Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira [E1] vivem desordenadamente sem terem alem disto conta , nem peso, nem medido.” ( GANDAVO, s/d: 54)

A maioria dos cronistas que escreve sobre o início da conquista e colonização repete a expressão acima e todos eles descrevem os índios como inescrupulosos e preguiçosos, como faz um padre jesuíta (anônimo), ao falar sobre os costumes dos índios paraibanos (potiguaras):

“Têm mais outra propriedade, não por a-herdarem do estado de innocencia, que n’elles está corrupta e damnada; que, contra toda a ordem da natureza, por mera sensualidade, folgam de andar totalmente nus, sem nenhuma cobertura, cousa que parece os proprios animaes brutos estranham.

É gente que sempre, se tem vagar, come como brutos; e n’isto, e em suas sujidades ou deshonestidades, intendem somente como não andam em guerras, porque se-dão pouco ao trabalho, e naturalmente são folgazões, como o-são todas as outras nações fora da nossa Europa...”

( Autor anônimo, 1983: 26/27)

Aliás, esta imagem do nosso nativo foi transmitida e reproduzida pelas crônicas, correspondências e documentos oficiais ao longo da colonização.

Infelizmente, essas são as únicas fontes de que dispomos para o estudo dos povos nativos. Na Paraíba, segundo ALMEIDA PRADO,os primeiros tupis vieram de muito longe , da bacia do rio Prata, fixaram-se no litoral, onde, mediante a quantidade de crustáceos encontrada nas praias da região “tomaram o nome de potiguaras” ou comedores de camarões .Foram os potiguaras os primeiros a entrar em contato com os brancos, principalmente com os franceses.

Bem mais tarde, já às vésperas do início das tentativas de conquista da Paraíba, vieram da região do rio São Francisco os tabajaras. Havendo sofrido traição de portugueses, Piragibe, chefe dos tabajaras, resolveu abandonar a aldeia onde morava e, após percorrer o interior, chegou à Paraíba com sua tribo.

Assim, potiguaras e tabajaras dividiam entre si o litoral da Paraíba. Ao norte do rio Paraíba habitavam os potiguaras e ao sul deste rio os tabajaras.

O outro grupo, genericamente denominado de tapuias, segundo o mesmo autor, repelido pelos potiguaras espalhou-se pelo sertão, dividido em diversas tribos, de linguas diferenciadas. Este grupo é o menos referido pelos cronistas da época. Os missionários denominava-os de “índios de língua travada” e considerava-os totalmente inferiores aos tupis “índios de língua geral”, objeto de estudo dos jesuítas. É esta também a opinião do historiador acima citado:

“ Eram os antigos donos da costa, transferidos de’ habitat ‘ por não poderem resistir aos do sul à vista da inferioridade da sua cultura, em extremo primitivos, pouco dados ao amanho da terra e mais condições sedentárias, andejos de natureza, tão-só afeitos à caça e pesca...” ( PRADO, 1964: 49 )

Os autores em geral afirmam que os portugueses pouco conviveram com os tapuias e que os holandeses tinham maior conhecimento sobre eles, uma vez que lutaram juntos contra os portugueses. As informações dos holandeses a respeito deste grupo, embora denotem preconceitos típicos do olhar europeu, fornecem elementos que possibilitam uma imagem mais positiva a seu respeito.

A historiografia da Paraíba costumava denominar todas as tribos tapuias da Paraíba genericamente de cariris. Segundo classificação mais recente, feita pelo professor José Elias Borges, os cariris constituíram o menor grupo indígena do interior da Paraíba, a maioria pertencia ao grupo dos tarairiús. Fundamentado em documentos históricos, antropológicos e linguísticos, o referido autor afirma que muitos traços culturais distinguem os dois grupos de tapuias: cariris e tarairiús.

Cariris e tarairiús ocupavam as terras do interior, organizados em suas aldeias. Alimentavam-se essencialmente de caça, porém utilizavam machados de sílex e praticavam artesanato. Produziam peças de cerâmica e tecidos de caroá. Eram de estatura média, robustos, cor acobreada, nariz grosso, rosto redondo e cabeça chata. Alguns historiadores, baseados em testemunhos da época da conquista, elogiam sua valentia e habilidade na utilização de suas armas, tanto para a caça, quanto para a guerra, além de destacarem sua agilidade como exímios corredores.

As poucas informações disponíveis sobre o aborígine da Paraíba e os limites desse espaço não permitem que detalhemos mais sobre sua vida, seus costumes, seu mundo, enfim, É evidente, porém, que a ocupação de seu território foi acompanhada da desorganização desse mundo, através das imposições do processo colonizador, conforme veremos no decorrer de nosso estudo.




. RESISTÊNCIA INDÍGENA E DOMINAÇÃO DO LITORAL

Eliete de Queiroz Gurjão

Como surgiu a Paraíba? Quais os objetivos dos portugueses quando conquistaram seu território? Qual o papel dos índios nessa conquista? Como se deu a ocupação inicial?

Essas são importantes questões relativas à conquista da Paraíba. A maior parte da historiografia paraibana infelizmente, trata-as de forma equivocada, preconceituosa, insatisfatória, portanto, Divulga-se, assim, uma concepção apologética da História da Paraíba, que se concentra no enaltecimento de alguns personagens (brancos e europeus), elevando-os à condição de heróis e tratando nossos índios como povos inferiores, selvagens, bárbaros, preguiçosos, conforme os denominavam os portugueses.

Quando o rei de Portugal criou as capitanias hereditárias, não existia entre elas a capitania da Paraíba. O território que, aproximadamente, corresponde a atual Paraíba era ocupado pela capitania de Itamaracá, cujo donatário não teve condições de tomar conta, deixando-a praticamente inexplorada, dominada pelos índios e freqüentada pelos franceses que, “amigos” dos índios vinham constantemente buscar pau-brasil.

Enquanto isso, a capitania de Pernambuco, vizinha de Itamaracá, já estava muito próspera devido a grande produção de açúcar. Contudo, os senhores de engenho de Pernambuco sentiam-se incomodados pela vizinhança dos índios que habitavam Itamaracá, alegando que eles invadiam suas terras, destruíam suas lavouras e, instigados pelos franceses, os hostilizavam.

Ocorria que os franceses, diferentemente dos portugueses, não pretendiam tomar as terras dos potiguaras e escravizá-los, seu relacionamento com os índios era “amistoso”. Os potiguaras trabalhavam para os franceses, extraindo pau-brasil e embarcando-o, em troca de objetos variados.

As hostilidades dos portugueses com os potiguaras se agravaram muito após a chamada “Tragédia de Tracunhaém”.

Esse episódio ocorreu devido ao rapto e posterior desaparecimento de uma índia, filha do cacique potiguar, no Engenho Tracunhaém (Pe.). Após receber a comitiva constituída pela índia e seus irmãos, vindos de viagem, após resgatar a índia raptada, para pernoite em sua casa, um senhor de engenho, Diogo Dias, provavelmente escondeu-a, de modo que quando amanheceu o dia a moça havia desaparecido e seus irmãos voltaram para sua tribo sem a índia. Seu pai ainda apelou para as autoridades, enviando emissários a Pernambuco sem o menor sucesso. Os franceses que se encontravam na Paraíba estimularam os potiguaras à luta. Pouco tempo depois, todos os chefes potiguaras se reuniram, movimentaram guerreiros da Paraíba e do Rio Grande do Norte e atacaram o engenho de Diogo Dias. Foram centenas de índios que, ardilosamente, se acercaram do engenho e realizaram uma verdadeira chacina, a morte de todos que encontraram pela frente: proprietários, colonos e escravos, seguindo-se o incêndio do engenho.

Mediante tal fato e os angustiosos apelos de habitantes de Pernambuco, o rei de Portugal criou a Capitania Real da Paraíba, desmembrando-a da capitania de Itamaracá.

Criada a Capitania Real da Paraíba em 1574, apenas em 1585 efetivou-se sua conquista e ocupação.

Ora, por que tanto tempo? Mais de dez anos de lutas! Quais as dificuldades?

A dificuldade maior era a resistência dos nativos que ocupavam a terra tão cobiçada pelos portuguêses, sua combatividade, sua coragem. Apesar de considerados inferiores, lutavam bravamente para impedir a perda de seu território e evitar que fossem escravizados pelos colonos.

Durante mais de dez anos, foram realizadas mais de cinco tentativas de conquista. Não vamos aqui narrar cada uma das expedições. Episódios variados marcam cada investida dos colonizadores. Ataques dos índios e desvios de rota foram os fatos mais freqüentes. Ocorreu até um fato inusitado: por conta das más condições da navegação houve a devolução de uma frota ao porto de origem.

As lutas entre os conquistadores e os índios foram muitas e, freqüentemente, os índios levavam vantagem. De início, as expedições eram organizadas apenas por portugueses. Porém, com a dominação da Espanha sobre Portugal, a partir de 1580, alguns espanhóis juntaram-se aos portugueses nas tentativas de conquista da Paraíba.

A associação de portugueses e espanhóis visando a conquista, ao invés de facilitá-la, dificultou-a muito mais. Os desentendimentos entre eles eram freqüentes. Entravam em conflito, concorrendo pelo comando das operações de guerra e da administração do pessoal. Assim, as desavenças entre portugueses e espanhóis contribuíram para retardar mais ainda a conquista.

A conquista definitiva da Paraíba somente foi possível, quando os portugueses conseguiram a adesão dos tabajaras, então em luta contra os potiguaras. Aproveitando-se do desentendimento entre as duas tribos, o ouvidor-geral Martin Leitão enviou emissários a Piragibe (ou Braço de Peixe, cacique tabajara) oferecendo-lhe aliança contra as potiguaras.

Assim, com a ajuda dos tabajaras, os colonizadores conseguiram iniciar a ocupação da terra. Daí em diante, assiste-se a um verdadeiro extermínio, cada vez que os índios resistiam eram mortos em massa. Tratava-se de fazer a “limpeza do terreno”, como afirmavam os portugueses e nos informa o historiador Horácio de Almeida:

“Em fins de janeiro estavam todos de volta ao interior. Agora ia ter começo o povoamento da Paraíba, porque este era o principal objetivo depois das escaramuças militares, que se impunham como limpeza do terreno para desenvolvimento da conquista”. (ALMEIDA, 1978: 93).

Os índios que colaboraram com os colonizadores e os que a eles se renderam foram utilizados como mão-de-obra na lavoura, nos engenhos e na construção de obras para a edificação da cidade de Nossa Sra. das Neves (atual cidade de João Pessoa).

Além dos colonizadores, não podemos esquecer o papel da Igreja nessa conquista. Religiosos de diversas ordens: jesuítas, franciscanos, carmelitas e beneditinos, através das chamadas missões, “domesticavam” os índios ou seja, “faziam sua cabeça” para a aceitação do domínio do homem branco, para a perda de seu território e de sua própria identidade.

Vejamos como o poeta Luiz Nunes Alves, autor da História da Paraíba Em Verso, relata os fatos ocorridos a 5 de agosto de 1585 com a celebração da paz com os tabajaras:

“Dois meses depois da luta

João Tavares conquistou

Pirajibe e sua tribo

E com ele reatou

Relações de amizade,

Que com muita vaidade,

Martin Leitão festejou.

A benfazeja aliança

O inimigo atacava

E o desejo comum

Dia a dia se arraigava

Visando a um só ideal

O núcleo colonial

Que então se iniciava.

E o marco da conquista

Sem dúvida estava ficando

Por soldados, jesuítas

Muito bem testemunhado

Sob as bençãos de Jesus

A fé ergueu uma cruz

Tudo estava iniciado”.

Assim, de donos da terra, nossos índios passaram à condição de mão-de-obra a serviço dos invasores de sua terra, conforme veremos em capítulo posterior.

. RESISTÊNCIA INDÍGENA E DOMINAÇÃO DOS SERTÕES

Eliete de Queiroz Gurjão

Ocupado o litoral, construída a cidade e iniciada a produção açucareira nos engenhos da Paraíba, a colonização portuguesa prossegue a operação limpeza do terreno em direção aos sertões.

Antes de mais nada, é bom esclarecer sobre a área que estamos chamando aqui, de Sertões. Quando falamos Sertões ou Sertão, não estamos nos referindo apenas ao espaço que atualmente recebe essa dominação. Estamos falando sobre todo o interior da Paraíba, sobre aquelas áreas que, atualmente, denominamos Agreste, Brejo, Cariri e Sertão. Para os portugueses, à época da colonização, todo o território além de vinte léguas da costa era Sertão.

No início da colonização o território do interior não foi ocupado. Os portugueses, até então se limitaram ao litoral, uma vez que suas terras eram propícias ao plantio da cana-de-açúcar. Aquelas pessoas que queriam vir para o Brasil e tinham recursos requeriam Sesmarias e estabeleciam-se no litoral e Zona da Mata, nos engenhos. Assim, no início do século XVII, na Paraíba, já existiam cerca de duas dezenas de engenhos. Produção de açúcar e mais açúcar, isto era o que interessava aos portugueses, porque dava bons lucros. O mais não tinha importância. Qualquer outra atividade, somente era estimulada caso fosse útil à produção açucareira.

Assim, as melhores terras eram ocupadas somente pela cana-de-açúcar. E a lavoura de subsistência? Qual sua importância?

A lavoura de subsistência era importante, apenas, como fornecedora do feijão, milho, mandioca, enfim, dos produtos indispensáveis à alimentação nos engenhos. Para estes produtos bastavam as terras menos férteis, aquelas áreas impróprias à cana-de-açúcar.

E o gado? Como surgiu? Como a pecuária conseguiu se organizar e ocupar áreas próprias?

Quando as primeiras cabeças de gado foram trazidas para o Brasil, tinham como objetivo auxiliar o trabalho e a alimentação nos engenhos: serviam como tração para as moendas, como meio de transporte e alimentação.

Porém, à medida que a lavoura da cana foi-se expandindo a criação de gado dentro dos engenhos foi-se tornando inconveniente por ocupar terras férteis, necessárias à agricultura da cana, que conforme já falamos, era a atividade de exportação e portanto, a atividade fundamental. Daí, a necessidade de separar as duas atividades. Neste sentido, o rei de Portugal, através da Carta Régia (1701) proibiu a criação de gado até dez léguas da costa.

Ora, muito antes desse decreto, a penetração para o interior já havia começado. Desde os fins do século XVI, duas correntes de povoamento partiram de Pernambuco e Bahia (que já eram as capitanias mais ricas, por conta da produção de açúcar) e, através do Rio São Francisco, atingiram o interior e estabeleceram as primeiras fazendas de gado do interior do Nordeste.

Lembremos que as terras do interior já tinham donos! Conforme vimos, os sertões da Paraíba eram habitados pelos Cariris e Tarairiús.

Ora, se as terras do interior já estavam ocupadas pelos Cariris e Tarairiús é claro que sua invasão pelos portugueses, para instalar fazendas de gado gerou conflitos. E conflitos muito sérios.

Os nativos do interior resistiram bravamente ao homem branco. Este, além de tomar suas terras, escravizava-os, tornava-os cativos a seu serviço. Aliás, foi esse o motivo que os levou à luta.

A resistência desses índios do interior foi bem organizada. Uniram-se as várias tribos, empenhando-se por longos anos nas lutas armadas que ficaram conhecidas como “Confederação dos Cariris” ou “Levantes dos Tapuias”, ou, ainda, “Guerra dos Bárbaros”, como a denominavam os documentos oficiais.

Os portugueses recrutaram, inicialmente, 600 homens para enfrentar a “Guerra dos Bárbaros”. Estes mostraram-se superiores, provocando várias derrotas e deserções nas tropas dos portugueses. Ao longo do período em que se estenderam as lutas, o governo português estimulou os bandeirantes, ou sertanistas (como eram chamadas os comandantes das expedições que vinham conquistar o território), a combaterem os índios violentamente.

Assim, alguns sertanistas se destacaram, tornando-se verdadeiros algozes dos índios. Teodósio de Oliveira Ledo e Domingos Jorge Velho são os mais citados, segundo as testemunhas da época, eles cometeram uma verdadeira chacina. Somente por ocasião de uma luta, Domingos Jorge Velho degolou 260 Cariris, recebendo, por isso, congratulações do governador geral do Brasil, nos seguintes termos:

“E dou a Vossa Mercê o parabém de um aviso que do Recife me fez o provedor da fazenda, estando para dar à vela a embarcação que o trouxe, de haver Vossa Mercê degolado 260 Tapuías.” ( ALMEIDA, 1978: 40-41.)

É interessante chamar a atenção para o fato de que o autor das congratulações acima foi o arcebispo D. Manuel da Ressurreição que, na época, era governador geral do Brasil. Assim, um representante da própria Igreja, que se dizia defensor dos índios, manifestava sua pública aprovação às barbaridades cometidas contra eles.

Teodósio de Oliveira é tido como pioneiro da conquista do interior e o maior desbravador do Sertão da Paraíba, percorrendo e ocupando maior quantidade de terras que os outros bandeirantes. Após chegar a Pilar, seguindo o curso do Rio Paraíba, alcançou Boqueirão, Piranhas e Piancó. De Piranhas trouxe uma tribo de Cariris, os Ariús, para a aldeia de Campina Grande.

Teodósio e alguns parentes, que também percorreram o Sertão, tornaram-se donos de imensas propriedades, legalizadas pela doação das sesmarias (no sertão, eram lotes de terra destinadas às fazendas de gado). Porém, esse bandeirante destacou-se principalmente, pela fúria com que atacava e matava os índios que resistiam ao cativeiro, como fez com parte dos Ariús.

A violência de Teodósio foi tamanha que preocupou o próprio rei de Portugal. Em carta enviada ao capitão-mor da Paraíba o rei diz estranhar as atitudes do sertanista. Manifestou seu reconhecimento pelo “bom sucesso que se teve na campanha com os índios nossos inimigos nos sertões”. Porém, mais adiante acrescenta:

“Me pareceu estranhar mui severamente o que obrou Teodósio de Oliveira Ledo em matar a sangue frio muitos dos índios que tomou na sua guerra, hia ser conveniente uzarce com elles de toda a piedade por q. o exemplo do rigor que com elle executou seria dar occasião a fazer aos mais nossos contrarios vendo a nossa impiedade; sy faz este caso digno de um exemplar castigo...”.(JOFFILY, s\d: 349\350)

Assim, o famoso sertanista, apesar de elogiado (em cartas e em outros documentos) pela ocupação de terras e combate aos índios, é advertido para não cometer atos que chamem a atenção, que, enfim, mostrem a verdadeira face de conquista. A face cruel, que dizimou a maioria esmagadora da população indígena, precisava ser ocultada.

Para isso, os conquistadores, apoiados por Portugal, usavam o pretexto da “Guerra Justa”. Ora, a Coroa Portuguesa determinou! Índio que resistisse à dominação portuguesa podia ser morto, se aprisionado seria escravo. Do total de índios aprisionados, o governo português exigia um imposto correspondente a um quinto. Portanto, era só pagar o quinto a Portugal e utilizar os prisioneiros como mão-de-obra gratuita na pecuária e em outras atividades que fossem necessárias.


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